Trindade Vital Brasileira

Autor(a): Vitor Sampaio


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 23: A Mídia Não Perdoa

— Como assim ‘o Vital que causou um tsunami’? — indagou Sagna, incrédulo. — Ele acabou de salvar a cidade!

— Eu não me importo com os feitos do novo Vital! — respondeu Guten. — Era só ‘pra lhe informar que vocês estão prestes a enfrentar grandes problemas! Sharkgar está possesso com isso e, logo menos, enviará o exército ‘pra pegar vocês!

Que merda… — murmurou Sagna. — O que mais você sabe?!

— Só isso, carecão. Manterei contato! — Guten encerrou a ligação.

Os ‘Arqueólogos de Aralquia’ é um grupo composto por 11 arqueólogos extremamente renomados do continente Aralquia, conhecidos pelas suas significativas descobertas relacionadas à Trindade Vital. O financiamento para as pesquisas — incluindo essa viagem — vinha do governo de San Garch, terra natal do Lotus. A comunicação entre os membros era futurística, alto falantes minúsculos eram colocados dentro dos ouvidos e o ouvinte tinha a liberdade de desativá-los com a mente.

— O que o Guten queria? — perguntou Vion, ainda presa nas algemas triangulares.

— Primeiro, deixa o garoto nos soltar. — Sagna estava cabisbaixo. — Depois eu falo.

— É algo muito grave? — Lotus o fitou.

— Em breve saberá.

Curiosidade e juventude são dois fatores que, quando somados, resultam na ansiedade de respostas, seja na vontade de saber sobre uma fofoca, ou na vontade de descobrir se o mundo lhe odeia. Entretanto, Sagna passou eras lidando com jovens, impor uma condição para conceder uma resposta era muito mais viável do que simplesmente dá-la de mão beijada.

As algemas eram absolutamente resistentes contra o prisioneiro. Ela cortava o fluxo de prana pelo corpo com espinhos de material anti-prana, impedindo que o encarcerado manejasse seus poderes. Porém… elas possuíam um ponto fraco.

— Lotus — começou Sagna —, irei lhe explicar como você vai tirar a gente daqui. Por favor, preste bastante atenção.

— Tá bom — assentiu Lotus.

— Essas algemas são um caos ‘pro vodariano que elas prendem, impossibilitam a manipulação do prana. Mas… elas possuem um grave problema de resistência a terceiros.

— Qual?

— Geralmente, apenas os vodarianos que sabem como dominar o prana conseguem quebrá-las. Entretanto, você é um Vital, naturalmente seu controle do prana é muito superior à dos seres normais.

— E o que você quer dizer com isso?

— Quero dizer que você é capaz de destruir essas algemas. 

Ôh, seu careca maldito! — Vion estava furiosa. — ‘Cê vai ficar de enrolação ou vai falar logo como ele tira a gente daqui?!

Aff… — bafejou Sagna. — Bom, o material das algemas cortam o fluxo do prana, mas não quer dizer que são resistentes. Pelo contrário, são muito vulneráveis.

— Está dizendo que vou ter que entupir as algemas com meu prana? — questionou Lotus.

“Garoto esperto…”, pensou Sagna, e em seguida prosseguiu: — Exatamente, você vai desfazê-las dessa forma. E não se preocupe, você não vai nos machucar. Agora, com a sua mão, você vai apertar o elo da corrente.

Cautelosamente, Lotus levou a mão até o grilhão e apertou o elo com determinação.

— Muito bem. Você vai mergulhar a palma da mão no seu prana para sobrecarregar a algema. Não precisa invocar trovões, águas, ou seja lá o que for. Apenas controle seu prana.

— Ok. — Ao segurar com força, Lotus rangeu os dentes e sem querer envolveu-a com raios.

Aargh!!! — O desespero consumiu Vion. — Não assim, Lotus!!!

Lotus retirou a mão imediatamente após sua professora bradar, não obteve sucesso em conter seu poder divino.

— Que parte você não entendeu que não era ‘pra me atacar?! — Vion lhe deu uma bronca.

— Desculpa…

— Calma, Vion. Ele ainda está aprendendo sobre a energia vital dos vodarianos — apaziguou Sagna. — Tente de novo, Lotus. Concentre-se em envolver a palma da sua mão com prana, e não expelir trovões.

— ‘Tá bom.

Novamente, Lotus agarrou o elo para sucumbí-lo no seu prana. Cerrou os olhos para focalizar e, quando menos percebeu, submergiu sua mão com o prana da tempestade. Contudo, dessa vez foi diferente, não eletrocutou os professores ao redor e muito menos os feriu, ele apenas sentiu a corrente se desmanchar nos seus calos, como apertar uma esfera de areia.

— Finalmente! — Vion tirou o braço com tudo. — Não ‘tava mais aguentando ficar presa aqui! — O grilhão triangular se desintegrou pelo seu antebraço, e deixou orbes vermelhas minúsculas envolta do seu pulso.

— Deu certo… — Lotus sorriu.

— Boa, meu garoto! — elogiou Sagna. — Agora, vem me tirar daqui.

Lotus caminhou pelo estacionamento sombrio até o arqueólogo confinado na parede

oposta. Realizou os mesmos passos utilizados para salvar Vion, porém ele não precisou de uma segunda tentativa.

— Valeu! — Sagna girou o pulso, sentado no chão.

Em um piscar de olhos, Vion surgiu atrás do Lotus com uma expressão maléfica.

— Olha o problemão que você nos meteu… — Vion ergueu o braço, preparada para martelar o jovem.

— Não, Vion! Não faz isso! — vociferou Sagna.

— Tarde demais… — Ela iria enterrar o Lotus no solo.

Apavorado, Lotus não teve reação e travou com a morte chegando. Trancafiou os olhos, cria que amenizaria a dor do impacto. No entanto, o tempo passou e seu corpo não foi prensado em uma cova.

— Levanta, Sagna. — Vion estendeu a mão para ele. — Quero saber o que o Guten falou.

Ah… que susto. — Sagna aceitou o companheirismo da professora fortona.

“Caramba… dessa vez eu realmente achei que ia de F.”, refletiu Lotus, aliviado.

Todos se reergueram após uma situação complicada. Uma luta por um hospital seguida de um tsunami implacável não é para qualquer amador, embora o jovem fosse um. Ao baterem nas roupas para expulsar a poeira acumulada, a tão esperada conversa se iniciou.

— Vamos, careca. Desembucha tudo o que Guten falou — ordenou Vion, com um tom sério.

— Bom… vou resumir ‘pra não perdermos mais tempo — começou Sagna. — A notícia sobre o tsunami já chegou em San Garch, porém levemente distorcida.

— Distorcida? — indagou Lotus.

— Exato. Guten me disse que você — Sagna fitou o jovem —, Lotus, foi o responsável por quase naufragar a cidade em um tsunami autoritário.

— O quê?! — Lotus ficou em choque.

— Como assim?! Quem teria parado o tsunami, então? — questionou a professora, incrédula.

— Isso pouco importa ‘pra eles. O que de fato gera engajamento e moeda de alienação, é um Vital para culpar e justificar as ações do Sharkgar.

— Sharkgar? — perguntou Lotus. — Como assim ‘justificar as ações do Sharkgar’? Por que ele estaria envolvido nisso?

— Não me diga que… — Vion pressionou as têmporas.

— É aí que nossos problemas surgem — disse Sagna. — Sharkgar deu o aval para os soldados de San Garch invadirem La Esperanza para levar Lotus de volta.

— Mas isso é crime de guerra! Como assim ele simplesmente vai invadir outro país a troco da minha pessoa?!

— O presidente de La Esperanza autorizou tal ação do Sharkgar. — respondeu Sagna, firme.

— Não… não pode ser… — Lotus ficou pálido.

— Então quer dizer que estamos com um problema em dobro, certo? — Vion pôs a mão do queixo. — Voquinity e o exército de San Garch… não dá ‘pra acreditar que eles realmente se aliaram.

— Exatamente — falou Sagna. — Portanto, é só questão de tempo até sermos atacados. Precisamos ficar espertos.

— Eles mentem nesse ponto para conseguirem o que querem…? Uma mobilização internacional será feita com base em uma mentira…? Não acredito… isso não pode ser verdade… — murmurou Lotus, sua cabeça formigava angustiada com as notícias alarmantes que recebera.

— Lotus…? — Vion fitou seu aluno, preocupada.

“Ele está sentindo na pele o que é ser alvo de calúnias e de narrativas cujo foco é a alienação…”, pensou Sagna, ao fitar Lotus de canto.

— Pilantras cretinos… — Um zumbido abafou o som local.

— Lotus! — Vion descansou a mão no ombro cebola do jovem.

Aah! — O jovem acordou para a realidade, ofegante. — Professora… precisamos encontrar a Flora e o Lauren… não quero que eles sofram com a minha escolha…

Aff… — bafejou Vion. — É verdade, precisamos achá-los. Ainda não entendi o motivo deles terem ficado aqui.

— Sinceramente, nem eu — disse Sagna. — Vai ver eles queriam viver uma aventura perigosa.

— Ou eles simplesmente gostam muito do Lotus — retrucou Vion.

— É… pode ser.

Sagna fitou uma possível saída do estacionamento, uma rampa desprovida de claridade onde destinava a uma localização incerta. Entretanto, a falta de opção lhes sujeitaram a atitudes extremas.

— Muito bem. Vamos sair daqui. — Sagna começou a andar até a rampa, juntamente com Vion.

O jovem ficou para trás, repudiando a superfície de concreto enquanto remoía cada milímetro da sua estrutura cerebral. De um dia para o outro, Lotus se tornou conhecido no mundo inteiro pelo seu posto de Vital da Tempestade, e não contava que o ódio sobre si irromperia tão rápido quanto um trovão. Ninguém quer ser odiado, ainda mais tratando de um jovem esperançoso que acreditava ser o escolhido.

Sua alma estava abatida, o peso do início de sua jornada deixava qualquer bigorna no chinelo. No entanto, o que lhe faltava era alguém o chacoalhar para entender que ser fraco não era uma alternativa.

— Não vai vir, Lotus? — Vion olhou para trás.

Lotus cochichava consigo mesmo e ignorou Vion.

— Lotus… — bufou Sagna. — Olhe ‘pra mim.

Lotus continuou a cochichar e a ignorar.

— Lotus… — continuou Sagna.

O jovem tornou-se um homem de poucas palavras.

— Lotus!!! — rogou Sagna. — Quando eu te chamar, você me responde!

Abruptamente, Lotus arregalou os olhos e ficou atônito. Seu semblante incorporou o medo puro, nunca havia visto Sagna vociferar de tal forma.

— Não há mais tempo de você choramingar ou se arrepender, você quem escolheu esse destino e impôs isso ‘pra si mesmo! Sim, o mundo vai te odiar, te jogar ‘pra baixo, te fuzilar com as mentiras mais absurdas que você pode imaginar. Mas, você não tem tempo ‘pra ficar assim. Você carrega uma grande responsabilidade!

— Isso não tira o meu direito de ficar mal! — reagiu Lotus. — Como você se sentiria se soubesse que mentiras descaradas vão trazer a sua ruína?! Eu só queria mudar o mundo… por que esse ódio todo?!

— Tem razão, isso não tira o seu direito de ficar mal. — Sagna reduziu o tom. — Mas, isso também não te dá o direito de se arrepender de algo que escolheu viver. Se sente que se equivocou sobre o que era se tornar um Vital, dê a volta por cima e crie o cenário ideal que você achou que seria. Crie com muito suor e dedicação. Crie até sua alma ter uma hemorragia. Isso só depende de você!

Lotus se rendeu ao mais absoluto silêncio.

— O chão de vidro é só o começo da sua trajetória, e nenhum aluno meu foi ensinado a cair em qualquer esquina da vida! Pelo menos, não por mim. — Sagna foi duro e sincero. — Faça isso valer a pena e mostre que você é capaz de transformar uma tempestade em um dia ensolarado capaz de florescer a alegria em Voda!

As íris do jovem brilhavam com a motivação do Sagna.

— Discipline-se na dedicação, não a exerça apenas quando está motivado. Torne-se um homem forte e faça o fato do Raoni não ter te matado valer a pena!

Lágrimas escorreram como gotas de um chuva modesta, o lado determinado ascendeu com as virtudes do careca experiente. Às vezes, é necessário que um terceiro nos ajude a resgatar as origens escondidas nas profundezas do coração.

— Lotus, vamos procurar Lauren e Flora e depois um local para repousarmos, teremos longos dias pela frente — finalizou Vion.

Com as sobrancelhas arqueadas em nome da sua revitalização, Lotus abriu um sorriso focado e assentiu aos professores.

Vamos! — Ele enxugou o choro.

Então, o trio perambulou até a rampa, a fim de acessar as avenidas iluminadas. A fusão de vários sentimentos tornavam o jovem ainda mais instável, porém ele tinha que seguir em frente e provar a si mesmo que é digno de ser um Vital, mesmo que trilhasse seu caminho no modo automático.



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