Trindade Vital Brasileira

Autor(a): Vitor Sampaio


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 24: Alto Escalão

— Qual é o objetivo de vocês me escoltarem? — indagou Jules, com as mãos presas com algemas normais. — Eu estava fazendo meu serviço!

— Poupe suas palavras. — Um dos guardas respondeu. — Estamos cumprindo ordens.

Aff… sempre o mesmo discurso…

Em um elevador espaçoso e ornamentado por luzes incandescentes, Jules Maxim estava sob custódia de dois guardas de porte físico intimidador. O odor perfumado purificava as narinas dos indivíduos ali presentes, enquanto o piso de mármore fornecia um toque de luxuosidade.

A situação de Jules não era das melhores, aguardava uma possível demissão — ou sentença — por descumprir as ordens do alto escalão. Entretanto, era firme na sua posição e de forma alguma se arrependeu do que fez, afinal, bateu de frente com um recente Vital.

O elevador finalmente chegou ao destino com direito a um tranco bruto ao travar, como se até ele repudiasse as atitudes do carrasco. As portas prateadas se abriram, o que liberou acesso a um mundo tecnológico de manipulação e poder.

— Vamos. — Os guardas o empurraram.

Um leve tropeço foi o suficiente para adentrar no andar extenso, um local alumbrado por luzes fluorescentes e com feixes de raios passeando pelas paredes, nada além de decoração. No centro, havia uma mesa bem peculiar: seu formato consistia na fusão da letra V e Q, onde o V  possuía o teto fechado com uma curvatura e, na lateral direita, roubou a barra diagonal do Q. Sem dúvidas, era o que mais chamava a atenção.

— Jules! — clamou um homem. — Que bom te ver!

— Werner? — Jules arqueou as sobrancelhas. “Eu ‘tô ferrado…”

Werner Fallearth, um galante bombado conhecido como ‘diretor de combate da Voquinity’, estava sentado em uma poltrona nos confins do salão. Ela era exuberante, concedia uma performance de rei à quem sentasse nela. Foi moldada para ficar no pódio do salão, assim o indivíduo que ali se acomodasse teria uma visão panorâmica do cômodo.

Ambos se encararam por alguns segundos, mas não compartilhavam do mesmo sentimento ao se reencontrarem. Jules sabia que a guilhotina o esperava.

— Sente-se — disse Werner, enquanto descia as escadas próximas à cadeira. — Está atrasado para a reunião.

Com duas mãos grossas apertando seus ombros, Jules foi guiado até o assento na barra da lateral. A mesa estava repleta de vodarianos, a maioria soldados. Do lado esquerdo, encontravam-se os guerreiros que lutaram contra Vion, todos com um galo na cabeça. Cabeça mole em pedra dura, tanto bate que machuca… Do lado oposto, estavam os poucos combatentes que não foram mortos pelos céus furiosos daquele dia caótico.

Na curvatura da mesa, 5 membros renomados expectavam o início da sessão, o aval jazia na vontade do Werner.

— Por favor, se acomode, meu lorde. — O mordomo do Werner puxou sua cadeira.

— Obrigado. — Ele se sentou.

Quase todos os convidados para a assembleia — com um caráter de seita — marcaram seu comparecimento. Entretanto, o soberano diretor decidiu começar nessas circunstâncias.

— Muito bem, vamos começar. — Werner apertou um botão que ligou um projetor posicionado no meio da sala, com três telas sofisticadas para melhor imersão. — Estamos diante de uma situação atípica, perdemos o controle de algumas pontas. Como todos sabem, o jovem identificado como Lotus Sutol agora é o novo Vital da Tempestade.

O projetor figurou a imagem do jovem Vital em uma foto da luta contra o Jules, onde o Lotus carregava a vantagem da situação.

— Entretanto, antes de tal acontecimento, uma missão com a finalidade de executar Rudá Tlaloc foi articulada por Jules Maxim, o antigo líder da segunda divisão de combate da Voquinity.

— Antigo? — indagou Jules.

— Sim, agora é antigo. — A resposta do Werner perfurou Jules como uma facada lenta. — A Voquinity não tinha conhecimento de tal missão e nem de sua motivação, o que resultou na transferência da Pirâmide Vital da Tempestade fora do nosso cronograma.

— Como que vocês não tinham conhecimento?! — Jules levantou a voz, furioso. — Eu informei os diretores gerais inúmeras vezes e enviei um relatório com a motivação da mis… — Jules teve a boca coberta pela mão vigorosa do segurança.

— Por ora, permaneça em silêncio. — ordenou Werner. — Você terá seu direito de resposta.

Jules se sentou novamente, inconformado com o que acabou de captar. “Mentirosos cretinos!”

— A Voquinity formulou estratégias para resgatarmos a Pirâmide Vital da Tempestade, Rudá Tlaloc já estava sendo alvejado — continuou Werner. — No entanto, fomos atropelados por um dos nossos líderes de confiança, e a consequência foi a perca da possibilidade de recuperarmos a Pirâmide Vital da Tempestade com perspicácia, além das várias baixas que tivemos. — Werner fez um sinal com as mãos para os seguranças soltarem Jules.

Ofegante e revoltado com o desenrolar, Jules salivava por uma oportunidade de esclarecer seu ponto. Ainda tinha esperança que retornaria ao cargo de comandante.

— Iniciaremos uma operação implacável para recuperar o artefato ancestral das tempestades, mas antes quero entender uma coisa… Jules, qual foi a motivação para você realizar essa missão? — questionou Werner.

— Alguém da própria Voquinity já tinha programado a transferência da Pirâmide ‘pro garoto! — replicou Jules. — Eu fui impedir que isso acontecesse, embora eu não tivesse recebido a permissão para tal missão!

— Quais são as provas materiais da sua acusação? — perguntou Werner. — Eu, particularmente, não vejo sentido em um membro da maior organização de Voda planejar uma Transferência Vital para um mero jovem universitário.

— Eu sou a prova viva disso! Eu presenciei a arquitetura do plano em um dos gabinetes dos próprios diretores!

Todos ao redor tornaram-se perplexos com a audácia do Jules. Cochichos pejorativos e o esquartejar de reputação foram normalizados.

— Nossa… isso é uma acusação bem grave — disse Werner. — O que fazia no gabinete do diretor em questão?

— Eu fui convocado para participar desse plano maldito — falou Jules. — De início, eu recusei a proposta. Mas, percebi que eu poderia fazer um bem para a companhia se eu atuasse como um espião. Então levei o plano a sério e peguei confiança até ter a oportunidade de ter provas materiais disso!

— Nos mostre as provas, então — disse um dos soberanos sentados ao lado do Werner.

— Minha palavra já basta! Por que eu mentiria sobre isso?!

— Não, ela soa mais como uma desculpa bem formulada para você ter realizado a missão — afirmou Werner.

— Espera… então tecnicamente você traiu duas pessoas em uma cajadada só? — questionou uma mulher da alta cúpula. — A Voquinity e esse ‘diretor’?

— Por acaso você queria pegar a Pirâmide Vital da Tempestade ‘pra você? — indagou um diretor.

De repente, linhas cristalinas cruzaram a sala de reunião pelos ares. Elas eram rígidas como diamantes e esbeltas como tal. Todos desviaram o foco do Jules para apreciar as correntes de diamantes criadas por um homem formidável.

— Acredito que seja viável eu intermediar esse assunto. — O corpo do homem ganhou forma na cadeira do pódio que Werner uma vez abancou. As linhas de cristal convergiram nesse ponto, gerando um corpo físico moldado a partir de um mineral super resistente.

— Você está atrasado, sabia? — falou Werner, ao olhar para trás.

— Me desculpe, chefe. — disse o homem, após seu corpo estar totalmente estruturado. — Estava em uma consulta médica com o meu filho.

— Tudo bem, eu te entendo — compreendeu Werner. — Agora… poderia sair da minha cadeira, Iuhan?

— Mereço sentar na cadeira do rei, não acha? — Iuhan deu uma risada. — Sou um homem de família e também um renomado membro dessa empresa. Acredito que eu mereça um pouco de glória.

Aff… tanto faz, fique onde quiser.

Iuhan Loyal, ‘O Homem Raro’, é um adulto de aparência séria e formal, suas duas únicas preocupações são a família e o trabalho, nessa ordem. Sua aparição fazia os olhos dos mais influentes integrantes da Voquinity irradiarem felicidade. Quando Iuhan aparece, tudo se resolve sem estresse.

Jules não ficou nada contente com o desembarque marcante do Iuhan, sua situação só piorava. Pobre Jules…

— Werner, me atualize sobre as novas notícias. — Iuhan se ergueu. — Meu filho ficou muito doente essa semana e eu mal tive tempo de me atualizar.

— Vou resumir — falou Werner. — Por causa da incompetência do Jules, um garoto universitário se tornou o novo Vital da Tempestade.

— Como é? Está me dizendo que agora um garoto é o Vital da Tempestade?

— Exatamente. — Werner assentiu com a cabeça.

— Mas que loucura! — Ao apertar a mão, Iuhan sugou todas as linhas de diamante de volta para o antebraço. — Como isso foi acontecer?

— Explique para ele, Jules. — Werner fitou Jules.

Jules tremia igual a um vodariano no topo de uma montanha congelada. Não sabia se era raiva, se era temor, se era intimidação… seu corpo apenas alertava o perigo máximo. Até suas cordas vocais tremulavam.

— Eu… execute-tei… uma missão particular em La Esperanza… com o objetivo d-de… matar Rudá Tlaloc e impedir que o garoto se tornasse Vital.

— Por que desobedeceu às ordens da empresa? Você não pode executar uma missão particular! Isso não ‘tá no seu contrato! — Iuhan começou a descer as escadas. — Além disso, você convocou todos os soldados que estão aqui?

Jules ia começar a falar, mas um dos soldados o interrompeu.

— Sim, ele nos convocou. Aqueles ali — Ele apontou para os guerreiros a frente. —, foram os poucos que restaram da sua primeira chamada. Já eu e meu grupo, fomos enviados como ajuda do general Hancor, que infelizmente não compareceu hoje.

— Pouco importa nossos remetentes… — falou o guerreiro oposto. — O que importa é que Jules deixou todos nós ‘pra morrer da mesma forma. 

— É verdade! — Os combatentes murmuram em uníssono.

— O quê?! — Jules arregalou os olhos.

— Então além de tudo isso, você abandonou seus soldados? — indagou Iuhan, provocando-o. — Ora, Jules… não te ensinei a agir dessa forma lá no estágio.

— Isso… isso não é verdade!!! — Jules ficou desesperado.

Iuhan enfim se aproximou o suficiente dos paladinos do julgamento, e se recolheu no seu assento reservado.

— Iuhan… por favor… me escuta! — implorou Jules. — Eu estava atuando como um espião de um plano que consistia em tornar o garoto um Vital da Tempestade! Eu só estava tentando impedir isso… em nome da Voquinity!

— Plano? Como assim ‘um plano’? — Iuhan arqueou as sobrancelhas.

— Alguém da Voquinity queria que ele se tornasse Vital!!!

— É uma das loucuras dele… provavelmente ele queria só pegar a Pirâmide Vital da Tempestade — replicou Werner.

— Não acredita nele! Ele é um lou… — Jules teve a boca tampada pelos seguranças.

— Ora, Jules… você anda meio instável ultimamente. Não há sentido um membro da Voquinity querer que um jovem universitário se torne Vital, isso é impossível. Eu realmente queria te ajudar, mas desde que você se tornou líder da segunda divisão, você sempre está aprontando…

Então, após Iuhan expôr sua opinião, todos os indivíduos se levantaram.

— Werner, acredito que eu vou ter que assumir o controle da situação — firmou Iuhan.

— Isso eu já havia pautado no dia em que o jovem se tornou um Vital. — Werner fitou Iuhan.

Jules estava por um fio, e a única coisa que poderia lhe fazer respirar seria uma ajuda do Iuhan, na qual ele não pôde contar. Os últimos momentos de Jules como um combatente esmagaram sua alma.

— Bom — Werner começou a falar com todos. —, dada a instabilidade de Jules como um líder, a incompetência em executar uma missão e a traição a Voquinity, todos estão de acordo em baní-lo da companhia?

— Sim!!! — Todos concordaram unanimemente.

— Não!!! Seus cretinos!!! — Jules se soltou dos seguranças e, mesmo algemado, ejetou uma rajada repulsiva contra todos ali presentes.

Jules foi impulsivo e deixou o ódio o dominar, porém ele não tinha chance alguma contra Iuhan Loyal, que detinha um poder extremamente destrutivo.

Com um único movimento, Iuhan criou uma barreira de diamante para defender seus colegas de trabalho da rajada repulsiva, e logo em seguida cobriu as mãos do Jules com uma luva de diamante e fissurou seu pulso para quebrar o dispositivo de repulsão.

Aargh!

— Não vale a pena agir dessa forma, Jules. Você precisa se reencontrar — disse Iuhan, com o braço estendido. — Seguranças… tirem ele daqui.

— Não!!! Não façam isso!!! — choramingou Jules. — Por favor!!!

Enquanto Jules era escoltado para o elevador, sua porta para a saída eterna da corporação, ele bradou tudo o que pôde. A injustiça pintou suas cognições com a cor da dor e do sofrimento, ele realmente acreditava que havia feito o certo.

Dentro do elevador, visualizou a porta se fechando e entendeu que essa foi a última vez que pisaria na maior corporação de Voda.

-----

Após Jules ir embora e Werner dispensar os combatentes, a essência da reunião mudou e todos passaram a orbitar Iuhan, o mais novo comandante da operação.

— Iuhan… essa situação é muito grave — começou Werner. — Ouvi dizer que o jovem Vital tem um tonabless excepcional que combina com os poderes da Pirâmide Vital da Tempestade. Ademais, recebi informações de que ele já se encontrou com Raoni Tlaloc, o filho único do Rudá Tlaloc.

— Entendo… isso é realmente complicado — disse Iuhan. — Já possui algum plano de captura?

— Sim, e você fará a frente dele. O objetivo é invadir Cucaplaya, em La Esperanza, e absorver todo o prana do jovem através do Pranaquiém, uma máquina que se alimenta de prana à longa distância.

Na tela do projetor, foi representada a máquina Pranaquiém. Seu formato era semelhante a uma lança na vertical; ela possuía um losango em seu centro, o armazém de prana; tinha uma prensa hidráulica localizada no começo da estrutura, preparada para irromper terremotos; e dispunha de 4 ‘patas’ finas, igual as de um inseto.

— Gostei do design. — Iuhan fitou a construção. — Chegou a organizar algum exército?

— Sim, organizei um batalhão atroz da Voquinity bem equipado e também recebemos apoio do exército de San Garch, Sharkgar está possesso pelo fato do garoto de San Garch ter absorvido a Pirâmide Vital da Tempestade.

— Isso é ótimo! Tenho um grande exército para comandar então. — Iuhan sorriu.

— Exato — confirmou Werner. — Os soldados de San Garch chegarão aqui amanhã, pela parte da tarde. Daqui dois dias, você fará uma palestra geral para eles e mostrará seu plano para invadir La Esperanza. No mesmo dia, lhe mostrarei como a máquina Pranaquiém funciona.

— Então tenho bastante trabalho por hoje e amanhã, não é?

— Com certeza. Faça a ‘Operação Pranaquiém’ valer a pena e também com que Lotus Sutol se arrependa de ter se tornado um Vital.

— À suas ordens, chefe. La Esperanza está nas minhas mãos.



Comentários