Trindade Vital Brasileira

Autor(a): Vitor Sampaio


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 26: Mexeu com Um, Mexeu com Todos

Era uma cidade cinzenta e sem vida.

Residentes atônitos com a calamidade natural trancafiaram-se nos mais altos andares, não tinham outra opção. Automóveis foram abandonados como um celular obsoleto, preencheram as avenidas que existiriam apenas em lembranças, lembranças essas que manipulariam os residentes para evacuarem de lá.

Entretanto, ainda havia uma agulha no palheiro. Uma não, três. Um trio que não cessaria os passos até encontrar os membros perdidos do grupo. Lotus e seus professores eram implacáveis.

— Será que a galera dessa cidade ainda não percebeu que não tem mais tsunami? — indagou Vion.

— Eles devem estar aflitos debaixo de mesas ou dentro de armários, Vion. — disse Sagna.

— Será que Lauren e Flora também estão nessa? — Lotus banhava sua visão com os prédios ao redor.

— A julgar pela ansiedade do Lauren, eu duvido muito — replicou Sagna. — Eu os ordenei para subir no prédio mais alto da cidade.

— No caso… aquele ali? — Lotus apontou para o prédio de vidro.

— Exatamen… — Um estrondo das janelas do edifício impediu Sagna de afirmar.

Do topo do titã empresarial, uma companheira muito querida por Lotus despencava em meio aos cacos de vidro. O cabelo liso e vaidoso tentou dar a mão para o céu nublado, mas não obteve nenhuma resposta. Flora se encontrou face a face com a morte.

Os olhos do Lotus ficaram próximos de saltarem para fora do rosto e, embora ele não soubesse quem fosse tal vodariano, não pensou duas vezes em bancar o herói do dia.

 Não!!!

— Espera, Lotus!!! — ordenou Sagna, ao preparar algo para neutralizar a queda.

Sem dar ouvidos ao professor, Lotus correu pela vida do indivíduo, sua prioridade máxima. Do trio, o jovem era o único que ainda não tinha praticamente esgotado suas energias, a absorção do tsunami foi crucial para mantê-lo de pé. Entretanto, sua falta de conhecimento do uso do poder Vital lhe recorreu uma solução não tão segura.

— Não, Lotus!!! — vociferou Vion. “Ainda não me recuperei daquelas malditas algemas! Eu com certeza irei apagar se eu usar mais dessa Pirâmide Artificial!”, refletiu.

Pelas ruas livres para Lotus brincar seriamente com seu poder, ele envolveu panturrilha abaixo com os ventos Vitais para pular como nunca pulou. O coração batia tão desesperado quanto no uso do Heart Discharge, só que dessa vez Lotus não o ativou, sabia que se manejasse-o mais uma vez seu corpo o puniria.

A moça se distanciava cada vez mais do alto da construção, teve o azar de estar sem paraquedas nesse momento. No entanto, o homem que pararia a queda saltou do asfalto mal cuidado, impulsionado pelos furacões atrozes dentro de si.

Aargh!

Flora gritava aos prantos, era uma verdadeira queda livre.

— Te peguei!!! — Lotus a abraçou no ar.

Para completar a figura de herói, faltou-lhe uma fantasia icônica ou uma capa vermelha. Lotus conseguiu envolver a mulher em seus braços, apesar de que ainda não tivesse descoberto a sua identidade. Entretanto, ele esqueceu da altura que se encontrava.

— Merda!!! — Lotus acompanhou o despencar de Flora.

Prestes a arranjar uma maneira de amortecer o dano, Sagna atuaria como o coadjuvante do herói. Porém, Vion não quis esperá-lo.

— Muito lento, careca! — Vion fincou ambas as mãos no chão.

Em um ato final, Vion invocou rochas e as guiou linearmente até o ponto abaixo do Lotus, criando uma grande mão de pedra para os dois amigos não serem esmagados no solo. Infelizmente, Vion jaziu no mesmo instante após consumir o resto do seu prana.

Lotus submergiu modestamente as costas na palma da estrutura, protegendo Flora contra uma dor de potencial muito superior. O rapaz Vital finalmente salvou sua amorosa parceira, mesmo sem saber que era ela.

— Vion… — Sagna agachou.

— Ufa… eles estão salvos… — murmurou Vion.

Assim que abriu os olhos, o jovem não dispôs nem um segundo para repousar, foi verificar imediatamente se a moça estava bem. Todavia, o cheiro dela era familiar, um perfume feminino agradável para suas narinas. “Esse cheiro…”, pensou. Quando a reconheceu…

— Flora?! — Lotus tocou nos ombros dela.

— Lotus… — Falar se tornou uma tarefa difícil, seu ar foi entupido pelos chutes do Luiz.

— O que aconteceu?!

— Eu… eu…

Após Flora se dar conta de que ainda enxergava o mundo, o pânico espremeu seus pulmões. Uma respiração nunca antes vista por Lotus acontecia bem na sua frente, alguém que não se deparava com o ar há décadas. Os olhos arregalados sinalizavam a rejeição à figura do Lotus, alterada pelo medo das cognições da Flora.

— Ei, Flora! — chamou Lotus.

— Sai! Sai daqui! — Flora chorava.

— Sou eu, Flora! O Lotus! — Lotus a chacoalhou.

— Some da minha frente, seu monstro!! — Ela socava o ar.

Palavras não bastariam, Lotus tinha que tomar um outro tipo de atitude, mostrar que ele realmente estava ali com ela. Com sua mão grossa, levantou-a delicadamente pelas costas, trouxe-a até o seu peitoral inflado e dessa forma abrigou-a em um abraço afetuoso.

— Se acalma, Flora. — Ele fez um carinho atrás da cabeça. — Eu estou aqui, agora está tudo bem.

Como em um passe de mágica, o aperto e os gritos evaporaram. As bochechas da jovem guerreira coraram com o abraço tão aconchegante, percebeu que estava em segurança.

— Lotus… — Ela o abraçou de volta, lentamente. Apertou seu ombro como uma forma de agradecimento, enquanto encharcava o mesmo com lágrimas.

Os dois ali ficaram por um breve momento, grudados igual um casal apaixonado. Seus corações adorariam ter se fundido, porém estavam separados por uma muralha de carne e osso. Após os chicletes se despregarem, Lotus buscou obter informações.

— Quem fez isso com você?!

Ainda ofegante, Flora não tinha capacidade de sequer cuspir letras. Ao reparar bem no físico da companheira, Lotus averiguou um hematoma no fim do pescoço.

— Quem te machucou?!

— Eles… estão com o…

— O quê? Eles quem?

— Eles… eles… estão com o Lauren…

— Como é?!

A fúria englobou a mente do Lotus, foi enterrada pelo medo catastrófico de alguma coisa acontecer. Não era suficiente ver Flora machucada, tinha que ter um adicional para seu ódio abrasador.

— Quem te machucou assim, Flora?! Quem está com o Lauren?!

— Lá em cima… — apontou Flora.

Ao fitar de boca aberta para o alto do prédio, Lotus indagou novamente:

— Foram ‘eles’ que fizeram isso com você?!

— Sim…

— Eu juro que vou afundar o crânio de cada cretino que encostou os dedos em você… — Lotus estava possesso. — Foram muitos?!

— Sim… todos a comando do… — Flora tremeu.

— A comando do…? — Lotus pressionava para obter a resposta.

— Do Luiz, ele também resolveu ficar…

— O quê?!! — Lotus chegou no limite.

Dominado pela atroz vingança, Lotus teve os piores pensamentos que um vodariano pode ter contra outro. Por conhecer Luiz, a mistura entre a ira e a decepção o elevou ao ápice das emoções. Lotus não pararia por nada.

— Lotus…? — Flora arqueou as sobrancelhas.

— Eu já volto… Sagna irá te ajudar a descer com segurança.

— O que você vai fazer?

— Vou acertar as contas — cravou Lotus.

— Ei, Flora! — Lá embaixo, Sagna lançou dois dragões verdes para cima. — Graças a Deus o Lotus conseguiu te salvar… pegue carona com eles!

Embora salva, Flora estava aflita com as próximas decisões do Lotus. Durante toda sua vida, a jovem encantadora presenciou inúmeras mortes por questões ideológicas, e não queria que seu amigo se tornasse um dos assassinos. Ao visualizar Lotus com uma postura determinada, ela lhe fez um último pedido:

— Por favor, Lotus… não os mate… isso não vai se resolver dessa forma…

— Flora… mexeu com um, mexeu com todos. — Lotus sequer deu ouvidos ao pedido dela.

Em um piscar de olhos, Lotus mergulhou a perna nos vendavais e se ejetou para o topo do prédio, aproveitando o meio caminho cortado devido a sustentação de Vion. Uma única manhã foi o bastante para ele conquistar confiança nos poderes da Pirâmide Vital da Tempestade. 

“Não me vingue dessa forma, Lotus… não quero que você se torne igual aos meus pais!”, amargurou Flora, enquanto aproveitava a viagem gratuita dos dragões do Sagna.

Cortando a barreira do ar, o jovem percorreu uma curta trajetória — mas perigosa — para o andar que Flora foi jogada para assim suprir seu desejo de justiça. Quem será que está disposto a bater de frente com um Vital?

-----

— O que vamos fazer com ele, Luiz? — perguntou Enzo.

— A gente poderia fazer uma exposição dele na nossa página — começou Luiz —, por exemplo: ‘Tirano se infiltra em palestra evolutiva e agride os espectadores, forçando-os a se defenderem.’, o que acha?

— Acho perfeito! — alegrou Enzo. — Com certeza nós vamos ganhar muito engajamento.

Durante o momento em que Luiz vomitava suas ideias, um homem bombado desembarcou por trás. Sua sombra cobriu Luiz na escuridão, nem um dia ensolarado seria capaz de iluminá-lo.

— Luiz!!! — gritou Enzo.

— O que foi? — Luiz fitou de rabo de olho. 

Abruptamente, Lotus desfere um soco poderoso no nariz do Luiz, seguido por uma

corrente de vento. Ejetou-o por cima da plateia que reverberava seu nome, até que ele imergisse o crânio no palco. 

— Lotus?! — Lauren se animou.

— Vital!!! — praguejou Enzo.

— Soltem ele!!! — Lotus disparou na direção da multidão.

Tufões circulavam nos braços do jovem e ele não hesitou em lançá-los contra todos os inimigos à frente, impelindo-os para longe dali. Ventos rasgantes feriram suas roupas e orelhas. Entretanto, apenas um dos figurantes era resiliente, não soltou Lauren mesmo jazido no chão com ele.

— Maldito… — Enzo estremeceu, e logo olhou para Luiz desmaiado. — Olha como ele deixou o Luiz…

Furioso, Lotus foi até a marionete do Enzo para tirar as mãos do Lauren. Seus passos eram estrondosos; sua presença era intimidadora. Agachou ao lado do autoritário enrustido e, sem medir sua força de Vital da Tempestade, Lotus realizou o pior.

— Tire as mãos dele! — Lotus apertou os braços do homem.

— Nunca! Todos vocês merecem… Aaaaargh!

Em um movimento brusco, Lotus roubou a vigorosidade dos ventos e arrancou os dois braços do homem para fora do corpo, tornando-o uma verdadeira máquina de jorrar sangue.

— Não… — Enzo ficou de boca aberta.

— Obrigado, Lotus! — Lauren se levantou rapidamente. — Nem consigo acreditar que você… mas o quê?! — Ele fitou o vodariano que o segurava.

— Não… não… — Um ataque de pânico matou Lotus por dentro.

Aaaargh!

Berros angustiantes foram irrompidos por cada alma viva que odiasse Lotus. O medo os consumiu, era cada um por si e Amochiom por todos. Esqueceram que haviam mais membros do grupo ali e, na velocidade da luz, saíram do auditório e deixaram Enzo ali, paralisado.

Em seguida, Lotus transformou o pânico em raiva pura, culpou Luiz por o que acabara de acontecer. Se alçou em um piscar de olhos, e pisoteou o mármore até chegar no Luiz.

— Lotus…? — Lauren estava atônito.

— Seu… seu… monstro… — Um terremoto interno atingiu Enzo.

— Cale a boca! — Lotus atirou uma rajada de vento contra Enzo e propeliu-o até o degrau do palanque, mesmo com ele jazido.

A milímetros de distância do Luiz, Lotus não o poupou. Fechou a mão com força e a enterrou no estômago do adversário caído.

— Quem você acha que é para fazer isso com a Flora?! Quem?!!! — Lotus o fuzilou com as mãos.

“É realmente o Lotus…?”, atormentou Lauren.

Assim que encerrou a sessão de murros, Lotus o pegou pela camisa e disse suas últimas palavras antes de arremessá-lo contra a porta de emergência do andar.

— Seu maior erro foi não ter ido embora!!! — Ele o projetou.

Luiz voou como uma bala de canhão e afundou o cabelo tigela na porta metálica, entrando nas escadas escuras semelhantes a um caixão. O ruído da batida ecoou por toda a sala, Enzo estava desacreditado com tudo o que aconteceu.

Ao terminar o show, Lotus fitou Lauren com um semblante sorridente e ofegante, a consequência da vingança. Depois, olhou para a palma de suas mãos e se questionou: “O que eu acabei de fazer…?”.

— Vitais… cretinos… malditos… Vocês… não… deveriam… existir… — choramingou Enzo.

— Lotus… o que aconteceu com você…? — Lauren temia as próximas ações do melhor amigo.

O homem sem os braços manteve-se no chão, clamando por uma ajuda divina e gradualmente desligando o corpo, perdeu uma drástica quantidade sanguínea. Por outro lado, Lotus estava intacto, satisfeito por ter feito a justiça pelos seus amigos. 

— Você e a Flora… agora… podem descansar… — Lotus meneou a cabeça ao Lauren, enquanto seu corpo procurava por um repouso eterno.

Aos poucos, ele se tornava o que jurou combater... 

         

             





Comentários