Trindade Vital Brasileira

Autor(a): Vitor Sampaio


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 27: Estereótipos da Voquinity

— Essa papelada não acaba nunca…

Uma mesa modesta com uma jarra de café em cima era tudo o que o homem moderno necessitava. Iuhan Loyal, embora fosse um dos membros mais formidáveis da Voquinity, assinava pilhas de papéis no seu escritório simples. O poder da caneta era fundamental para sanções e vetos, isso não mudou de mundo para mundo.

Iuhan dispôs da tarde toda para realizar tal tarefa, agora tinha uma responsabilidade de comandante. Entretanto, o dia estava longe de acabar.

Toc-toc 

— Entre — disse Iuhan.

Após Jules ser banido da corporação, Werner tornou-se uma corrente nos pés do Iuhan, uma verdadeira chatice do galante general. Ele se elevou ao pedestal da autoridade por possuir uma aparência mais velha que o Iuhan.

— Caramba, cara… você ainda está assinando esses termos? — indagou Werner.

— Claro — respondeu Iuhan. — Se você soubesse o tanto de burocracia que o Sharkgar colocou aqui, iria entender o motivo da demora.

— Pelo amor de Deus, Iuhan! Só assina isso, não precisa ficar lendo todas essas coisas.

— Ah, sim… — bufou Iuhan. — Só assinar sem ler, né? Acho que você esqueceu quem é o cretino que está emprestando forças armadas para nós.

— O Sharkgar já tem muitos benefícios com a Voquinity, o que mais ele exigiria da gente? Enxergue isso apenas como uma troca de favores, e não que sejamos obrigados a cumprir tudo o que esse ditador colocou nos papéis!

— Isso vai contra os meus princípios, Werner. Você sabe que eu não sou de ir contra minha palavra — firmou Iuhan.

Aff… que seja. — Werner foi vencido pelo cansaço. — Bom, depois você perde seu tempo da forma que quiser, eu preciso que me acompanhe.

— Ok — assentiu Iuhan.

Embora relutante por dentro, Iuhan aceitava as ordens do seu superior sem questionamentos. O respeito entre ambos era recíproco, podendo até ser chamado de amizade. Aquele cujo trombasse-os no elevador, iria suspeitar que são amigos de longa data.

— Vai me apresentar a máquina de absorção de prana? — indagou Iuhan.

— E por qual outro motivo você acha que o levaria até aqui, Iuhan? — debochou Werner. — A partir de agora, vocês serão melhores amigos.

Ao percorrerem por extensos andares até o ponto mais baixo do prédio, as portas da caixa metálica lhes concederam acesso à fantástica fábrica de… artilharias pesadas e ‘prensas sugadoras’. Não tinha sequer um chocolate…

— Uau! — Iuhan se surpreendeu.

— É aqui que as coisas realmente acontecem.

Como um laboratório de entorpecentes, a produção dos colossos de ferro era completamente camuflada do mundo a fora. Apenas funcionários mercenários aceitavam trabalhar em tal lugar, uma vez que o pagamento era infinitamente superior ao de um emprego normal. Entretanto, não era qualquer mero vodariano que conhecia a engenharia dessas máquinas.

Bestas titânicas, canhões navais de plasma, robôs com a cara dos deuses pranamentaristas, eram tão normais de se encontrar igual a uma pelúcia em uma loja de brinquedos.

— Vocês realmente se superam… — Iuhan fitava em volta.

— Você ainda não viu nada — replicou Werner.

Próximos a um engenho coberto por um pano branco, Iuhan o averiguava debaixo para cima. Parecia mais um fantasma gigante.

— Retirem a camuflagem! — Werner assobiou em seguida.

Com uma mão de ferro no topo, um aparato titânico puxou a cortina branca que encobria a nova paixão do Iuhan, o…

— Pranaquiém — completou Werner —, essa será a peça chave da extração à distância da Pirâmide Vital da Tempestade.

— Caramba… que bem desenvolvido!

O trunfo da Voquinity à frente possuía uma estrutura peculiar: um losango tridimensional no centro interligava com duas barras de aço na vertical, enquanto no topo uma esfera mística clamava por poder. No nível mais baixo, uma prensa hidráulica ansiava para pressionar o chão e causar um terremoto, acompanhada por oito ‘patas’ de inseto que fixariam a arma no chão.

— Demorou um tempo até desenvolvermos esse tipo de engenharia — falou Iuhan. — Essa é a primeira versão desse modelo, e o mais impressionante é que todos os testes que fizemos foram perfeitos. Entretanto, nunca imaginei que o primeiro uso seria para absorver uma das Pirâmides Vitais.

— Ela é realmente impressionante. — Iuhan estava estupefato. — Mas, como isso vai absorver a Pirâmide Vital a uma longa distância?

— Através daquela orbe de prana lá em cima. — Werner apontou para ela. — Ela irá absorver o prana do vodariano cujo estiver conectado com esse dispositivo com um formato de V. — Ele apanhou um pequeno mecanismo e entregou para o Werner. — Caso contrário… ela irá absorver o prana de todo mundo da cidade.

— Ou seja, eu preciso colocar isso no Vital para ela sugar diretamente dele? — Iuhan analisava o pequeno V.

— Você é realmente impressionante, Iuhan. Entende tudo muito rápido. Esse dispositivo irá penetrar na pele dele, tornando impossível retirá-lo a menos que ele corte o membro invadido — concluiu Werner. — Dessa forma, o prana do jovem será usurpado e armazenado naquele losango no meio, feito de um material quase impossível de destruir.

— Entendi. E ela sugará o prana até a última gota, certo?

— Sim.

— Supomos que eu não coloque isso no Vital, o ‘Pranaquiém’ também sugará o prana de todos ao redor até esgotar?

— Claro. E provavelmente não demorará para morrerem por falta de prana, além da possibilidade de explodir o estoque por conta do excesso de prana.

Quando uma importante quantidade de prana é removida do corpo de um vodariano, ele sofre desmaios repentinos, perda dos movimentos corporais e, até mesmo, a morte. O prana faz parte da vitalidade do vodariano.

— Enfim… e quanto ao posicionamento dessa coisa? Tem alguma forma de torná-la discreta? — questionou Iuhan.

— Bom, de acordo com os testes que realizamos, não é nada discreta. Ela faz um pouco de barulho.

— Barulho?

— Exato — afirmou Werner. — A prensa localizada abaixo dela apunhala o chão com uma força inicial razoável, causando um leve tremor. No entanto, aquela orbe de prana lá em cima será responsável por elevar a potência do impacto e aumentar a magnitude do terremoto.

— Você pretende causar um terremoto na cidade?

— Em nome dos interesses da Voquinity. — Werner sorriu.

— Que loucura isso, cara! O que as pessoas da cidade têm a ver com isso?

— Iuhan — Werner preparou um bom motivo. —, os tremores serão justamente para dificultar a reação do Vital e possíveis aliados dele. Quanto às pessoas de Cucaplaya, emitiremos um sinal para as autoridades locais removerem-os de lá, e caberá a eles entenderem que faremos isso pela vida deles.

— Só que nossa imagem…

— Esqueça isso, Iuhan. Nossa imagem já é maravilhosa em Voda! Somos vistos como justiceiros. Não importa o que a gente faça, sempre encontrarão um meio para nos defender. Podemos causar tsunamis, terremotos, dizimar populações… não importa. Sempre irão encontrar. — Werner descansou a mão no ombro do Iuhan.

Apesar de não concordar com Werner em inúmeros pontos, Iuhan assentiu. Seus ideais não permitiam que ele machucasse pessoas não envolvidas em tais situações, porém até quando ele manteria sua palavra?

Após terminar de apresentar o Pranaquiém, Werner impôs a última tarefa para seu empregado, ele tinha certeza que soaria como uma surpresa.

— Venha, Iuhan. Necessito que faça uma última coisa.

— ‘Tá bom.

Uma implacável porta automática esperava Iuhan para lhe exibir algo fora da sua agenda. Ou, na verdade, alguém fora da sua agenda…

No momento em que Werner cessou o caminhar, ele estava quase abrindo a porta. Iuhan estranhou o máximo que pôde, tinha ciência que por trás dessa porta havia um estacionamento com veículos militares.

— Irá me mostrar o avião que nos levará para La Esperanza? — Ele arqueou as sobrancelhas.

Uma breve gargalhada escapou das cordas vocais do Werner.

— Com certeza, Iuhan. — Estava evidente o tom irônico. — Por favor, entre.

Iuhan o encarava desconfiado, enquanto dava passos lentos até a descoberta do seu destino. Não tinha motivos para Werner ter sido tão misterioso, afinal, era um simples estacionamento bélico da Voquinity.

A cada centímetro adiante, o suor do Iuhan escorria pelas suas têmporas. De forma alguma era medo, a temperatura ambiente crescia como em uma sauna. Então, antes mesmo de adentrar nesse local, um estalo cerebral foi o suficiente para ele compreender o que estava prestes a acontecer.

— Ah não… 

— Boa sorte, Iuhan.

A porta se abriu em câmera lenta, mas a explosão veio na velocidade da luz.

KABOOM

— Merda! — Iuhan criou uma barreira de diamante à frente.

Hahahahahahahah! — Um homem ria como um psicopata.

Sem hesitar, Iuhan entrou na sala em um piscar de olhos e a porta se trancafiou.

— Não acredito… — Ele estava furioso.

O cenário escarlate em torno foi incinerado por um homem fora de si. Carros e caminhões foram explodidos, ao mesmo tempo que aviões foram desintegrados pelas chamas do núcleo de Voda. A sensação térmica fazia jus ao aquecimento de um radiante forno elétrico. Iuhan Loyal desceu no próprio inferno.

Na sua direção, o homem em questão perambulava sobre os resíduos dos automóveis. Seu sorriso evidenciava a paixão que possuía de carbonizar cada átomo de Voda. Pela primeira vez depois de uma década, a barriga do Iuhan congelou.

— Nomal Northing…

— Há quanto tempo, Iuhan!!! Como é bom te ver!!! — comemorou.

Nomal Northing, o Piromaníaco, era o próprio estereótipo de vilão da Voquinity. Era conhecido em Voda majoritariamente por Piromaníaco, apenas os mais renomados membros da corporação tinham a honra de saber o seu nome. 

— Pensa rápido, homem raro!!! — Piromaníaco invocou uma explosão próxima ao Iuhan.

— Seu cretino!!!

Os reflexos do Iuhan eram apurados, refletiam sua vigorosa experiência em combate. Dois muros de diamante bastaram para evitar uma fissão nuclear em miniatura. No entanto, Piromaníaco não era de deixar o oponente pensar.

Veloz como o vento, o soco do Piromaníaco foi teleguiado ao peito do Iuhan, lembrando um míssil antiaéreo. Porém, Iuhan se distanciou em um toque de mágica, empurrando Piromaníaco com uma barra de cristal e posicionando-se estrategicamente.

— Não foge, Iuhan!!!

“Preciso acabar com isso logo!”, refletiu Iuhan.

Iuhan gerou espinhos de diamante nos seus pés, como uma chuteira de cravo. Fincou-os na parede para conseguir correr por ela e assim ganhar tempo para pensar rapidamente em um plano.

Contudo, Piromaníaco não deixou barato. Sua habilidade em criar explosões a uma distância honesta atrapalhava os raciocínios inteligentes do Iuhan. A melhor defesa é o ataque.

Então, Iuhan disparou pelo paredão, esquivando e se defendendo de cada onda de choque. Núcleos explodiram como granadas, e o responsável por eles gargalhava aos montes. O prazer em incinerar e devastar arrepiava a sua pele resistente, Piromaníaco era a reencarnação do mal.

Iuhan analisou a luta de maneira minuciosa, e dessa forma encontrou uma vulnerabilidade no Piromaníaco. “Ele não vai ter tempo de reação com isso!”.

— Você vai carbonizar junto com esse lugar!!! — Uma bola de fogo se expandiu na palma de sua mão, o próprio sol renasceu.

Os escudos de diamante deram o tempo exato para Iuhan preparar seu ataque final. Um espelho de cristal foi formado à sua frente, com um arpão inquebrável que rasgaria a garganta do Piromaníaco. A combinação de um golpe defensivo e destrutivo evidenciava o capricho que Iuhan tinha com suas tarefas.

Sem hesitar, Iuhan saltou e sobrevoou o salão quente como um meteoro, prestes a irromper o Piromaníaco. No entanto, o psicopata abrasante não quis apenas assistir sua morte, a reação era inevitável. Com as duas mãos, Piromaníaco canalizava uma orbe que desintegraria até os átomos do Iuhan no momento que expelisse.

— Acabou!!! — bradou Iuhan e Piromaníaco em uníssono.



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