Trindade Vital Brasileira

Autor(a): Vitor Sampaio


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 28: Planeta Descontrolado

Holy shit! Carregar esse brutamonte é mais pesado que um treino de perna!

Após uma árdua confusão no último andar do prédio, Lauren Nerual teve que pagar o pato. Carregar Lotus nas costas não era uma tarefa simples, seu corpo volumoso seria um problema até para uma maca.

O dia havia sido muito exaustivo para o jovem Vital, embora ainda não tivesse anoitecido. Sua falta de costume com o poder das tempestades cavou sua própria cova, mas o uso intenso do mesmo criou uma considerável resistência física.

Os Vitais se adaptam à sua respectiva Pirâmide Vital em poucos dias, tornando-os um só com o artefato. A utilização excessiva dela leva ao desmaio, porém, com o passar do tempo, o que era excessivo ontem, será recorrente hoje.

— Olha! — surpreendeu Flora. — Eles chegaram!

A árdua escadaria foi o ultimato para as panturrilhas do Lauren. Entretanto, ele concluiu a trajetória com esforço. A satisfação de conquistar títulos na raça era igual a de ingerir água fresca.

Hey!!! — bradou Lauren. — I’m here! — Ele passou pela porta automática do prédio.

— Lauren!!! — Vion foi até ele. — O que aconteceu com o Lotus?!

— Ah… eu estou bem! — ironizou Lauren. — Obrigado por perguntar…

— Me dá o Lotus aqui! — Ela colocou Lotus em suas costas rígidas. — Por acaso ele está morto?!

Ufa! — tranquilizou Lauren, depois da Vion apanhar o fardo. Seus membros ficaram leves como uma pena. — Acho que ele só desmaiou…

— Entendi — disse Vion. “Ele abusou muito da Pirâmide Vital da Tempestade, vai saber quando vai acordar…”.

Já recomposta, Flora correu até Lauren para demonstrar sua desopressão com um forte abraço. Ao vê-la perambulando na sua direção, Lauren paralisou em um desafogo emocional.

— Flora…

— Lauren!!! — Ela o abraçou, derrubando lágrimas. — Que bom te ver inteiro…

Desnorteado por encontrar sua amiga viva, uma cachoeira expelida pelos seus olhos combinaram com um abraço pesado.

— Você está viva… Graças a Quetzal…

— Que bom que todos estão bem… — Sagna sorriu. — Não perdemos ninguém do grupo…

Aliviados por se reagruparem com vida, a única preocupação que lhes restaram era onde iriam se hospedar. O coração do Lotus retumbava como um festival de samba, a hipótese que era apenas um repouso temporário era indiscutível. Todavia, Flora não quis deixar de questionar.

— Está tudo bem com ele?

— Provavelmente sim — respondeu Vion. — Ele usou muito o poder da Pirâmide Vital da Tempestade.

— Eu imagino… — replicou Flora. — Inclusive, ele foi o responsável por parar o tsunami?

— ‘Cê ainda ‘tá nessa, Flora… — resmungou Lauren.

— Sim. Foi ele — afirmou Sagna. — Ele absorveu o tsunami com o poder da Pirâmide Vital da Tempestade.

— O quê?! Então ele salvou a cidade?! — Flora ficou atônita.

Impossible como ele conseguiu fazer isso? — perguntou Lauren. — Ele mal conseguia fazer um ventinho!

— Acreditem se quiser — falou Sagna. — Ele é excepcional.

— Que orgulho de você, Lotus… — Os olhos de Flora brilhavam, enquanto ela o fitava.

— Cretino… isso não pode ser verdade! — Lauren fitou o amigo, sorrindo.

— Ei! — exclamou Vion. — Não é hora de comemorar nada! Chega desse assunto, nós precisamos nos concentrar em sair daqui. Sagna, contatei os Arqueólogos de Aralquia e eles conseguiram uma pousada para nós aqui perto!

— Que ótimo! Eles realmente fazem um bom trabalho. — Sagna se aproximou do grupo.

— Irei guiar vocês até ela — responsabilizou Vion. — Todos nós precisamos de um banho, ‘tá todo mundo uma catinga!

Vion era perspicaz quando se tratava de adquirir suprimentos. Seu papo convencia qualquer um a ajudá-la. Então, os cinco membros — finalmente reunidos — foram encaminhados até o novo hotel. Descansariam como um leão com o bucho cheio, mas sempre de olhos abertos.

— Lauren… o que aconteceu lá em cima? — indagou Flora. — Vimos várias pessoas desesperadas saindo do prédio… por acaso o Lotus machucou alguém?

“Merda… não queria chegar nesse assunto.”, refleitu Lauren.

Ah… eles viram o ‘Vital da Tempestade’ e ficaram em choque! Aqueles idiotas só sabem discursar contra os Vitais, mas quando um aparece na frente deles a reação de fuga é iminente.

— Hmm… entendi. Mas, por que ele desmaiou? — Flora arqueou as sobrancelhas.

— Bom… vai ver é porque ele usou muito o poder da Pirâmide Vital da Tempestade, seu corpo não deve ter suportado o tranco — disse Lauren.

“Claro, Lauren. Claro…”, pensou Flora.

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A sirene de Cucaplaya rogava aos prantos.

— O quê?!

Se essa fosse uma opção de despertador, Lotus não a escolheria. Acordar com o rugido de uma catástrofe era tão confortante quanto acordar com tiroteio. O desastre natural procurava pela Pirâmide Vital da Tempestade, um furacão que engoliria a cidade.

Feixes de luz invadiram o quarto do jovem pelas frestas de uma janela quebrada, o cheiro de madeira podre queimava suas narinas. Ao abrí-la, notou que o tornado crescia no litoral. “Será que é no Doom Stormbolt?!”.

— Puta merda! — Lotus se preparou para pular.

O velho quarto que permaneceu por algumas horas — ou dias — estava próximo à avenida principal. Entretanto, Lotus já lidara com alturas mais alarmantes, não seria um problema passar por isso novamente. Então, com o mesmo calção preto e regata cinza de um dia doloroso, Lotus saltou da janela e disparou até a praia.

— Lotus!!! — Flora adentrou no quarto do companheiro, porém viu que ele não estava mais lá. — Seu idiota!!!

A menos de um quilômetro do mar, Lotus não poupou sua força e ativou o Heart Discharge, fornecendo potência para suas panturrilhas e impulsionando sua velocidade. Sentia-se revigorado, sua alma estava lavada. Seu cérebro ainda não tinha resgatado as memórias ruins, o coração bombeava unicamente em prol do objetivo. “Por quanto tempo eu fiquei desmaiado?”. 

O jovem era um corredor nato, passou pelo asfalto esburacado sem tropeçar. Vodarianos atônitos que corriam no sentido contrário, viram seus cabelos serem levados pelo vento da juventude. Lotus era implacável.

— Até quando vai continuar tendo esses desastres naturais?!

Quando se aproximou o suficiente do litoral, percebeu que o furacão escolheu um alvo vulnerável para destruir; um cachorro morto para chutar. A comunidade Doom Stormbolt não havia sofrido o bastante, o castigo do céu sombrio nunca cessaria.

— Por que logo aqui… — Lotus fitava as nuvens cinzentas.

Retornar a tal lugar era como mergulhar no ardente remorso, a ambição de Lotus Sutol instaurou o caos na vila oprimida. Contudo, ele não tinha outra alternativa, a natureza não toleraria avistar o jovem recuando.

— Por que o povo desse lugar não está fugindo? — questionou Lotus. — Aah… chega! Não dá tempo de afundar em dúvidas, preciso agir.

Embora relutante, Lotus foi resolver a situação. Ele era o escolhido para proteger os mares, os ventos e a energia de Voda; a prioridade sempre foi cumprir seu dever.

Para atravessar despercebido, Lotus aumentou a velocidade. Trouxe consigo resíduos das casas destroçadas, porém não em grande quantidade — a maior parte foi levada pelo furacão. Por mais que sua visão focasse adiante, não escapou de visualizar a reconstrução da periferia, os moradores a amavam igual a um ente querido.

À medida que Lotus percorria, os residentes saíam de suas casas como baratas libertando-se do bueiro. A chegada do Vital da Tempestade era um evento importante na vida dessas pessoas, porém sabiam que ele era o motivo de toda calamidade.

— Ah não… — Lotus apertou o passo.

— Pessoal!!! É o Vital!!! — Um dos habitantes vociferou, com uma pedra na mão.

De repente, inúmeros indivíduos brotaram nas vielas e fecharam o caminho, impedindo que Lotus continuasse. O círculo de vodarianos o cercou, como uma formiga presa em uma esfera de tinta.

— Caramba… eu não posso fazer aquilo de novo — murmurou Lotus. — Eles não merecem ser machucados.

Encurralado em uma armadilha dos stormboltinos, olhares de ódio corroíam sua alma. Apesar de Lotus ter a possibilidade de sair por cima ou enfrentá-los, sua mente pessimista o encarcerou no pior dos mundos.

— Preparem-se! — ordenou um homem, e todos ao redor ergueram suas pedras.

— Por favor… não façam isso… — implorou Lotus.

— Vital da Tempestade… — iniciaram os moradores, seus braços semelhantes a uma catapulta.

— Não! — Lotus se pôs em posição de defesa.

— …você é o profeta de Amochiom! — Todos se curvaram perante ao Vital da Tempestade.

— Como é…? — Lotus enrugou a testa.

Pego desprevenido, Lotus se deparou com uma prática religiosa. Mesmo durante um desastre natural. Os stormboltinos em volta imergiram a pequena rocha na testa e agacharam, pressionando a pedra no solo barrento. Agradeceram Lotus por ter voltado para salvá-los; referenciaram-o como um rei.

Oh, filho de Amochiom, o príncipe das tormentas! — A oração ressoou igual a uma ópera. — Liberte-nos de todo o mal e sacrifique tal importuno da natureza. Purifique nossos corações com os oceanos divinos e reabasteça-nos com os relâmpagos de Amochiom!

— O que está acontecendo? — Lotus estava incrédulo. — Eles estão me adorando como se eu fosse um deus… quem diria! — Ao mesmo tempo que o jovem estava assustado, ele deixou escapar um pouco de felicidade.

Após uma garoa de ódio banhar a vida do Lotus, um pouco de amor era muito mais do que bem-vindo, embora soasse irracional. Com espaço para conseguir absorver o furacão que emergiu a dizimação, o jovem tinha que ser rápido, pois senão a catástrofe irromperia por completo o Doom Stormbolt. Pôs as mãos na lama e, acima, um triângulo eletrizante e azul surgiu, sugando todo o prana maligno.

— Nos salve, profeta!!! — bradaram os stormboltinos.

O vendaval do tornado foi aspirado pelo triângulo, o prana cinza e cortante alimentou o trunfo do Lotus contra desastres naturais. Os moradores apreciaram a cena arrepiados, esqueceram que o jovem foi um dos pilares da devastação.

Ao terminar o serviço, uma energia divina passeou pelas veias do bombado. A vitalização recheou sua alma tempestuosa, se alimentando de um poder excepcional. Ele buscava beirar a onipotência.

— Que delícia… — O fato do jovem ter arrancado os braços de um homem não era tão evidente no momento.

— Nosso salvador! — Os devotos berraram em uníssono.

Cegos pela fidelidade, todos foram abraçar o jovem. Colocaram ele no topo do mundo, como o camisa 10 ao ganhar uma copa do mundo. Logo, Lotus apenas cedeu e deixou ser preenchido com amor.

— Você é o nosso herói!!!

— Que isso… não sou! Apenas cumpri com meu dever! — Lotus recebeu os abraços com sorrisos.

— Basta!!! — O Índio de Fogo sobrevoou pela comunidade e atirou ao redor dos habitantes.

Aaaargh!

Raoni Tlaloc não suportava a devoção ilógica do seu povo, penetrou no cenário rasgando a atmosfera com as Paladinas Sedentas. Ao ouvirem os tiros, a maioria se espremeu para grudarem-se no jovem Vital. Ele era um protetor e tanto

Raoni pousou, fitando Lotus sarcasticamente. Guardou as pistolas no coldre tático e cruzou os braços, estava apto para conversar com o jovem.

— Nos proteja, profeta! Ele quer nos mandar para o Chantico! — suplicaram.

— Saiam daqui. — Com um encarar determinado, Lotus usou da própria imagem para obedecerem-o.

Como dito, os fiéis retiraram-se, correndo pelas suas vidas. Não tinham que ser testemunhas dos conflitos entre Lotus e Raoni, e o jovem sabia muito bem disso. De forma alguma foi agradável reencontrar o filho de Rudá Tlaloc, embora ele não soubesse de tal veracidade.

— Você de novo…

— Lotus… que surpresa mais extravagante! Já estava com saudade… — Raoni soltou

uma gargalhada.

— O que você quer comigo? Não posso nem aproveitar meu momento de glória?

— Chama isso de glória? Que decepção… a idolatria nos leva ao fundo do poço,

jovem. — Raoni lhe deu um sermão. — Bom, aproveitando que você está aqui, tem uma pessoa querendo falar com você.

— E quem seria essa pes… — Lotus foi lançado para uma casa de madeira após um golpe repentino.

O sacerdote que uma vez lutou com Sagna não esqueceu do perrengue que passou, planejou sua vingança com cautela. Uma aterrissagem combinada com a batida do cajado divino criou uma onda de choque avassaladora. Quem apanha nunca esquece

— Cretino… — Lotus rangeu os dentes.

— Nós temos contas para acertar, Vital! — O sacerdote atroz iria até o fim para fazer justiça com as próprias mãos. Ver o jovem sucumbir se tornou, de fato, o seu propósito de vida.



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