Trindade Vital Brasileira

Autor(a): Vitor Sampaio


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 29: Seja Forte

As casas de madeira da comunidade já presenciaram de tudo, fatos que seriam impossíveis de presenciar em uma única vida. Eram resilientes e muito bem amadas. Não importa quantas vezes as danificam, elas sempre retornam mais fortes. 

— Que saco… — Entulhos de uma residência destruída caíam como chuva. Lotus não aguentaria viver como tais casas. Mas ele ia sofrer muito mais

— Vamos, moleque! — provocou o sacerdote. — Cadê toda marra de quando você não era Vital?! — Ele girava o cajado.

“Isso vai ser divertido…”, refletiu Raoni.

Lotus continha um poder amedrontador trancafiado, o tornado que acabara de absorver transbordou o seu estoque de energia. Entretanto, de forma alguma utilizaria-o para reviver o caos que causara. Porém, tinha ciência que não sairia dali até derrotar o sacerdote. O dilema perambulava pela sua mente.

— Preciso acabar com esse cara, mas não posso destruir ainda mais esse lugar… — Lotus preencheu seus pulmões, estufando o peito de pombo. — Vou desencadear um combate corpo a corpo. — Ele expirou, reiniciando a duração do Heart Discharge.

O vodariano cujo despertou o tonabless, pode aprender a manipulá-lo e executá-lo da forma eficaz. Lotus quebrava gradualmente as travas do corpo, provando a si mesmo que tinha muito a explorar de si.

Abruptamente, Lotus se desprendeu dos destroços e disparou até o sacerdote. As mãos estavam cobertas pelos ventos divinos, as verdadeiras balas de canhão ambulantes. Embora fosse rápido, dessa vez o sacerdote não foi surpreendido.

— Vamos guerrear em um local familiar!!! — O sacerdote bateu o cajado no solo, gerando uma onda de vendavais cortes.

— Esse eu consigo tankar! — Lotus colocou os braços adiante ao rosto, seu escudo de osso.

A ingenuidade do jovem cavou sua própria cova e, por subestimar o sacerdote, a onda de choque o lançou para o Santuário de Tlaloc.

Aaaargh!

— Esse ringue você conhece, moleque! — O sacerdote ejetou uma rajada de vento no chão e decolou até o campo de batalha.

— Eu não vou perder esse momento. — Raoni também foi.

Lotus não aterrissou de maneira conveniente, ralou o ombro cebola até os destroços do santuário. Embora o Heart Discharge mantivesse o osso no lugar, o jovem gemeu de dor com uma fisgada desconfortável. Enquanto estava no chão, ele pensou em um plano.

— Talvez isso dê certo… — Ele mirou a mão aberta para o céu.

Não demorou muito para que o idoso pousasse na arena arruinada, seu desejo de vencer Lotus era insaciável. Manuseando uma das armas Vitais, o sacerdote correu pelo topo do Doom Stormbolt.

— Vem com tudo!!! — bradou o sacerdote.

Lotus tinha os reflexos apurados, ergueu-se em instantes e deteve o avanço do sacerdote, bloqueando o bastão com as mãos grossas. Separados pelo mesmo, ambos se fitaram com determinação; seus olhos matavam-se nos pensamentos.

Implacável como um carro de três rodas, o velho empurrou Lotus para longe. Não contente, Lotus tentou desferir investidas pesadas no oponente diversas vezes, porém nenhuma com sucesso.

— Pode vir, garoto!!! — O sacerdote se defendia com uma cúpula de vento. Embora ele não fosse Vital, sua experiência de décadas lhe proporcionava um controle muito superior do ar comparado ao de Lotus.

“Irei fazer isso até eu esgotar minhas energias.”, formulou Lotus.

Infinitas tentativas não bastariam para o jovem conseguir tocar no idoso, mesmo com atributos elevados de força e resistência. No entanto, ele tinha uma carta na manga.

Após milhares de vai e vem, chutes, socos e um pouco de magia, Lotus estava tão ofegante quanto um corredor em final de maratona. Um passo a mais poderia explodir seu coração, que retumbava incessantemente. Parado diante do perigo, Lotus prostrou de joelhos e aceitou seu destino.

— Você é mesmo uma decepção, moleque… Que vergonha! — O sacerdote se aproximou dele e desativou a redoma atmosférica. — Você realmente acreditava que arcaria com as consequências de ser um Vital, seu estrangeiro cretino?! Você não é absolutamente nada além de um pivete irresponsável! Devolva o que você tirou de mim e do meu povo!

“É sério que vai acabar desse jeito?”, Raoni arqueou as sobrancelhas.

Quando se posicionou autoritariamente ao lado do jovem, se sentia superior a ponto de julgá-lo com seu cajado divino. Alvejou Lotus, preparou a sentença de morte e cravou suas últimas palavras:

— Você nunca foi digno de ser um Vital.

— Como ousa falar dessa forma com o Príncipe das Tormentas? — Lotus o fitou, os

olhos brancos e radiantes remeteram à tempestade.

Em um piscar de olhos, um trovão irrompeu para esmagar o sacerdote. Em uma velocidade incapturável, Lotus guiou um murro até o estômago do velho. Um ataque vindo de cima e de baixo, não tinha como ele escapar.

— Você já era!!! — gritou Lotus.

Infelizmente, Lotus subestimou inadequadamente o clérigo..

— ‘Príncipe das Tormentas‘ é a puta que pariu!!! — Ele levou o cajado à frente do corpo e usou-o como para-raio, evitando que o trovão o fritasse. Ademais, ele também impediu que o jovem o acertasse, o soco foi bloqueado pelo fino escudo. Matou dois coelhos numa cajadada só…

— Não acredito… — Lotus ficou abismado.

— Achou que só isso seria o suficiente ‘pra me derrotar?! — Uma esfera no alto do bastão começou a converter a energia. “Não posso contra-atacá-lo com os poderes dele, preciso transformar esse ataque em um meu próprio.”, refletiu.

Vendavais pesados envolveram a arma, o sacerdote a manejou para enterrar Lotus no Doom Stormbolt. Alvejando o jovem desapontado consigo mesmo, ele guiou os ventos até a ponta redonda.

— Até que foi uma bela tentativa, mas você é muito fraco ‘pra isso… — Ele fez questão de fincar tal frase nas cognições do jovem.

Para variar, Lotus se viu no corredor da morte. Daria adeus à Voda exatamente onde sua jornada como Vital iniciou, sonhos que evaporariam como água efervescente. 

— Adeus, moleque. Que Amochiom lhe conceda misericórdia.

— Não!!! Não faça isso!!! — suplicou Galdino, flutuando após saltar nas famosas subidas íngremes.

A um passo de enfiar Lotus na cova, ele não imaginava que seria interrompido por um indivíduo imponente.

— Já chega. — Raoni cavou o crânio do bispo com a Paladina Sedenta. — Você já mostrou ‘pra ele as consequências de uma escolha. Não vamos matá-lo.

— E quem você acha que é ‘pra se impôr diante das minhas decisões? — indagou o idoso.

— Eu sou o cara que vai te apagar se você eliminar ele.

— Raoni Tlaloc, por que está defendendo o moleque que matou seu pai?! — Ele tinha ciência da seriedade do Raoni.

— Pare de canalizar. — Raoni empuxou a cabeça dele. — Agora!

“‘Seu pai’? Como assim?”, refletiu Lotus.

O mastro do clérigo se acalmou, dispersou toda energia que havia acumulado. Estava incrédulo por Raoni não permitir que concluísse o serviço. Galdino Taira finalmente se juntou aos três, aliviado por Lotus não ter morrido.

— Por que ainda insiste em matá-lo, sacerdote Kaluanã? — indagou Galdino.

— Olha só quem resolveu dar as caras… — disse Kaluanã, o último sacerdote da vertente de Amochiom. — Não se meta, seu traidor.

— Ele é um Vital da Tempestade, ele foi escolhido por Amochiom para portar a Pirâmide Vital da Tempestade! Devemos amá-lo assim como amamos Rudá, pois ele é o novo profeta de Amochiom.

— Não use a palavra de Amochiom para defender assassinos, Taira! Ele usurpou nosso único bem, a única coisa que mantinha essa comunidade viva! Ele matou o nosso povo.

— Na verdade, essa era a única coisa pela qual exterminam o nosso povo, mas você é careta demais ‘pra enxergar isso… — disse Raoni.

— Vocês dois… — O velho Kaluanã enlouqueceu. — São dois traidores cretinos! Em breve, a Voquinity irá destruir a cidade em busca da Pirâmide Vital da Tempestade, e a culpa vai ser da negligência de vocês! Esse garoto não vai nos proteger, ele está esperando o momento oportuno para voltar ao seu país! — Ele foi para cima do jovem.

Galdino entrou na frente, tornou-se a égide do Lotus.

— Se quiser matá-lo, terá que passar por mim.

— Você disse ‘pra mim que só queria alertá-lo, Kaluanã — falou Rudá.

Furioso, Kaluanã deu as costas para os três. Teorias da conspiração passeavam pela sua mente perturbada, reflexos de uma vida repleta de traições e falsas esperanças.

— O legado do Rudá Tlaloc não poderia ser passado ‘pra esse garoto. Quando esse desejo de protegê-lo se tornar um pesadelo, não venham me procurar — finalizou o sacerdote, golpeando o chão e se dispersando.

Embora chateado, Lotus entendia os motivos do idoso Kaluanã. Era tudo muito recente para ele, e o fato do jovem ser responsável pelo caos no Doom Stormbolt era inegável. Duvidava das próprias capacidades físicas e mentais. Entretanto, as engrenagens do cérebro não giravam muito bem com a ajuda do Raoni e Galdino.

— Por que me ajudaram…?

— Se Amochiom lhe escolheu, jovem, eu farei da vontade dele uma ordem. Irei te aceitar como o profeta de Amochiom — replicou Galdino.

Raoni meneou as costas, fitando o horizonte.

— E você? — questionou Lotus. — Raoni… não é? Por que me ajudou?

— Encare isso como uma cortesia por ter parado o furacão — respondeu Raoni. — A propósito, você se saiu bem na luta.

— Obrigado… e que história é essa de que eu matei o ‘seu pai’? Por acaso…

— Isso é assunto para outro dia, jovem. — Raoni sacou as duas armas do coldre. — Peço que retorne aqui em breve, um perigo está a caminho. Não morra. — Raoni atirou no chão para voar, como se portasse uma jetpack.

— Espere! — bradou Lotus.

Sem sanar suas dúvidas, Lotus ficava cada vez mais confuso com a sua nova vida. Era cheia de altos e baixos. Entretanto, aos poucos blindava seu coração, aproveitando cada mínima oportunidade para obter conclusões úteis.

— Ei… quem é o pai daquele Raoni? Eu o matei…?

— Infelizmente isso é algo entre você e o Raoni, jovem — disse Galdino. — Embora eu seja devoto a você, essa prática de me envolver em assuntos familiares de terceiros não agradaria a Amochiom.

— Entendo… bom, acho que meu trabalho está concluído por aqui. — Ele desconversou. — Vou retornar à cidade.

— Gostaria que eu lhe acompanhasse? — sugeriu Galdino.

— Ah… não, não precisa. Obrigado! — agradeceu Lotus. “Não quero correr o risco de te machucar… não quero carregar mais culpa.”

Mesmo encarcerado pelas dúvidas, Lotus decidiu se retirar para não causar mais problemas. A importância que dava a situações negativas se sobressaia aos afetos que recebia. Ele mesmo se sentenciava. Entretanto, sabia que não podia parar.

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Próximo a sair da comunidade, Lotus recebeu aplausos e elogios dos moradores fiéis. Foi aclamado como um libertador. Ele respondeu com sinais de mão e um sorriso sincero, nunca se colocando acima deles. Aprendeu a ser modesto com sua mãe guerreira.

Entretanto, ao partir do Doom Stormbolt, se deparou com uma surpresa desagradável.

— O quê?!

— Ponha as mãos na cabeça! Devagar! — O policial ordenou.

Viaturas da polícia militar fecharam a entrada da comunidade. Revólveres e escopetas salivavam pelo pescoço do jovem, além de manifestantes rogando por justiça ao homem que ele cortou os braços.

Seu assassino!

Tirano!

Ô, Vital! ‘Pra nossa espécie sua existência é letal!

— Qualquer movimento brusco será interpretado como ameaça! Nós iremos atirar! — disse o policial, pelo megafone.

Do alto de um prédio, Enzo Monpath e Luiz Ziul assistiam o circo que os mesmos articularam. Luiz estava com a cabeça enfaixada, sedento pelo homicídio de reputação do Lotus. 

— Tira quantas fotos você conseguir, Enzo! Irei fazer questão de destruir a vida do Lotus — ordenou Luiz. — Ele com certeza vai foder com a vida de alguém ali embaixo, a maior especialidade dele!

— É o nosso trabalho, meu guerreiro! Nós somos contra essa opressão!

Rodeado por vodarianos que lhe odeiam, Lotus não conhecia outra alternativa além da violência. No entanto, ele não queria repetir a ação que realizou contra o agressor dos seus amigos. Ele não via alternativa de sair dali.

“O que eu faço… O que eu vou fazer…”, remoía.

Ô, Vital! ‘Pra nossa espécie sua existência é letal!

Sucumba, Vital! Sucumba!

Cartazes foram levantados e as ruas foram fechadas, Lotus estava encrencado.

O céu trovejante intensificava o coro dos protestantes. Uma verdadeira melodia de guerra. Ao olhar para esse céu, Lotus planejou algo incomum. “Será que essa loucura pode dar certo? Se der errado… já era…”.

— Estou com autorização para atirar? — indagou o policial. — Positivo. Todos em prontidão! — Ele coordenou o pelotão.

Acabem com ele!

Lotus estava prestes a receber uma chuva de balas, mas também estava prestes a realizar uma loucura.

— Preparar! — Todos recarregaram suas armas. — Fogo! — Eles dispararam.

Aaaargh! — Os olhos do jovem ficaram brancos, e de repente ele se transformou no relâmpago que retornou aos céus. Ele se ‘trovanificou’.

O quê?! Cadê ele?!

— ‘Pra onde ele foi?! — indagou Luiz e Enzo em uníssono.

Ao ressurgir acima das nuvens, Lotus iniciou uma queda livre cruel. Ninguém escutava seus gritos, ninguém sentia seu desespero. Lotus despencou de uma altura quilométrica, e a superfície de La Esperanza seria o ponto final da sua história.

Aaaargh!



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