Trindade Vital Brasileira

Autor(a): Vitor Sampaio


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 30: Aceitação e Preparação

Os pontos de vista são tão variáveis quanto as cores de uma supernova, classificá-los como certos ou errados não cabe à um único ser de carne e osso. Reflexos de diamante apontam para variados lados, distintos em ponto de vista. Entretanto, à medida que a ponta se aproxima, os lados se convergem e tornam-se um só, um consenso inabalável. Piromaníaco foi condenado a assistir essa ponta buscando pela sua morte, um arpão de diamantino implacável.

Hahahahahahah!

Mas, ele ria na cara do perigo.

Hahahahahahah!

Na verdade… ele era o perigo. A esfera explosiva que o cobria era o trunfo. Iuhan e Piromaníaco iriam ser o próprio desastre natural.

— Já chega!!! — Como um bom superior, Werner não permitiu o caos completo. A palma aberta adiante do corpo reforçava a ordem, a linha branca expelida a cumpria. 

Aargh! — Iuhan e Piromaníaco jaziram, enfraquecidos pela teia neutralizante que os prenderam.

Assim como Sagna, Werner possuía capacidades e dispositivos de neutralização. Liberava uma gosma cor de nuvens para encarcerar seus inimigos, igual a uma emboscada de nemertina. Ademais, tal habilidade era capaz de absorver parte do prana adversário, alimentando-o com o poder dos vodarianos.

— Caramba… seus pranas são muito saborosos! — salivou Werner. — Uma potencialização exuberante.

Após esvaziar o estoque de prana dos seus inferiores, Werner recolheu a linha pegajosa ciente que eles não se reergueriam.

— ‘Tá bem quente aqui dentro — O bafo ambiente envolveu seu corpo com o calor abrasante, não hesitou em derreter com suor. — Como vocês conseguiram lutar?

“Maldito Werner… ele vai me obrigar a trabalhar com esse cara!”, remoeu Iuhan, grudado no chão de lava.

Perante dois homens agonizados na superfície, Werner não iria perder a chance de exalar sua ironia. Era o momento perfeito para gargalhar do Iuhan, o indivíduo cujo ‘nunca perdia a cabeça em trabalho’.

— Ora, ora… vejo que vocês dois não obtiveram sucesso em se reconciliarem — disse. — Pensei que você era um cara mais controlado, Iuhan. Você mesmo diz que não dá ‘pra levar o trabalho ‘pro pessoal.

— Mas isso não é pessoal, é pela empresa! — replicou Iuhan, todos seus músculos estavam dormentes. — O Piromaníaco não se importa com o que tem ao redor, ele vai querer afundar a cidade em chamas antes mesmo de capturamos o Vital!

— Aiai… — Werner foi descuidado com uma risada. — Francamente, você está trancafiado no lado obscuro, Iuhan. Abra sua mente e entenda que o Piromaníaco não é subtração.

— Isso, Homem Raro! — afirmou Piromaníaco. — Nós vamos ser uma dupla e tanto… não está nos meus planos incinerar a cidade toda!

— Viu Iuhan? — Werner sorriu. — Compreenda que os interesses da empresa vão além das suas concepções. Ele será um bom aliado.

— Com todo respeito, Werner, vocês estão impondo um membro desnecessário para o plano! — começou Iuhan. — Ele é impulsivo e psicopata, seu senso de atrocidade é assustadoramente destrutivo. Se estivéssemos em uma missão de execução em massa, faria sentido você colocar ele na equipe, o que não é o caso! As vidas que estão na cidade não tem nada a ver com iss… — A boca dele foi fechada pelo golpe entomológico do Werner.

— Iuhan… vamos facilitar as coisas para mim — Ele apontou o dedo para si. — e para você. A partir de hoje ele fará parte da operação.

Inconformado que seria forçado a cooperar com o Piromaníaco, Iuhan questionou as decisões do chefe até ficar com o pé na rua — ou cova. Essa norma não era um dogma. Após Werner destrancar sua língua, ele manteve a postura firme.

— Eu não preciso dele para executar essa missão, Werner. — Iuhan se alçava lentamente.

— Eu me importo apenas com o que a Voquinity precisa — firmou Werner. — Piromaníaco será a peça chave nessa missão.

— Chupa, Homem Raro! — O dedo médio do Piromaníaco era como uma escultura no meio da cidade.

Iuhan falhou miseravelmente em convencer o Werner, embora evidenciasse todos os motivos plausíveis. Seu cargo invejável na Voquinity não foi o suficiente para lhe dar voz, o que lhe restou foi aceitar relutante.

— Iuhan, volte para casa. — Werner afundou seu ombro. — Foram muitas informações para você e sua cabeça não está das melhores hoje.

— A minha não está das melhores, Werner?! Olha o cara que você convoca ‘pra opera…

Shhh… — Werner esmagou o pescoço dele com o material pegajoso. — Volte para casa e retorne ao quartel amanhã, teremos visitas importantes.

Um suspiro profundo foi o ápice do alívio do Iuhan, segundos a mais de enforcamento seriam fatais. O olhar algoz de Werner invadiu suas cognições mais temerosas, o sorriso maléfico lhe concedeu um copo de inferioridade. O medo de ser morto não era tão relevante quanto o de perder o emprego.

O semblante entristecido era o única forma de expor seu desapontamento, maldito seja o homem que consegue fugir da espontaneidade.

Aff… Não fica chateado comigo, Iuhan. — suplicou Werner, enquanto via Iuhan se distanciando em meio ao cenário escarlate. — Entenda que é tudo pela corporação.

— Te vejo amanhã às 8h30m, Werner. — Poupar as respostas foi uma sábia decisão do Iuhan, à medida que fitava de soslaio.

— Descanse a cabeça, Iuhan.

— É um prazer te rever, camarada Iuhan! — acenou Piromaníaco.

“É um desprazer te rever, Nomal.”, Iuhan preferiu guardar para si.

Ao sair daquela sala incendiada e angustiante como o inferno, Iuhan Loyal levou consigo todo o peso de aceitar determinadas imposições de trabalho. Perambulou pela empresa até chegar no estacionamento, lugar onde seu automóvel esportivo o esperava. 

Durante todo o trajeto, remoeu cada segundo perdido com o Piromaníaco, seu repúdio contra a figura de tal psicopata era gritante. Embora Nomal Northing fosse venerado pela Voquinity devido à sua violência e indiferença, Iuhan repudiava a maneira como ele realizava as tarefas, eliminando qualquer um pelo caminho sem se importar com feições. Para o Piromaníaco, os vodarianos eram a lenha de sua fogueira.

Quando finalmente entrou no carro, se acomodou no banco de couro e selecionou as músicas de sua banda favorita: Serpientes Brancas. A melodia penetrou na mente como um calmante, separando os fragmentos de estresse dos de sanidade. 

— Música é uma boa terapia…

Um olhar modesto foi o suficiente para averiguar os status do painel, tanque de hidrogênio líquido cheio era igual a felicidade. Claro… não podia faltar o ar condicionado, o mormaço estava insuportável nessa semana.

Por fim, ajeitou o retrovisor interno para ter certeza que nada escaparia dos seus olhos. O pingente pendurado nele chocou entre si, e Iuhan nunca deixava de abraçá-lo com a sua palma antes de dirigir. Abriu-o com delicadeza para amar a foto da sua família, a verdadeira razão do seus esforços e sorrisos.

— Qualquer coisa por vocês.

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Uma janta ao lado dos filhos e da esposa preenchia a alma do Iuhan, os seguranças que expulsavam pensamentos negativos. Arroz, feijão, ovo, carne… um prato simples, mas com um peso afetivo que uma balança não é capaz de medir. Conversou com os filhos sobre seus respectivos dias, nada de diferente aconteceu na escola. No trabalho da esposa então… mais normal do que encontrar cachorro na rua.

Na manhã seguinte, Iuhan deixou as crianças na escola, após um delicioso café da manhã. Ter visto-os animados com a mochila nas costas lhe resgatou um sentimento de conquista: “Que bom que hoje eu posso lhes dar condições para serem felizes…”, seus olhos lacrimejavam. Quando entraram na casa onde aprenderiam e brincariam, Iuhan alternou para o modo sério e se preparou psicologicamente para lidar com o Piromaníaco.

— E lá vamos nós… — Ele esterçou o volante.

Pegou um trânsito insuportável, creu que era a sentença por afrontar seu chefe. Seu único companheiro era o rádio do carro em meio ao ambiente cinzento, porém as músicas eram ofuscadas por buzinas mal-educadas.

— Mais um dia normal.

Horas se passaram com Iuhan conversando com seu amigo imaginário, ele estava sentado no assento co-piloto, consolando o ‘Homem Raro’ com o silêncio. 

No entanto, tudo tinha um fim. Finalmente estacionou na vasta garagem do edifício empresarial, preparado para dividir seu tempo com o psicopata abrasante. Apanhou seu crachá valioso e escaneou-o no botão do elevador subsolo, um curto caminho até o quartel o aguardava.

Subiu alguns andares, desembarcou na mesma sala que conhecera a máquina Pranaquiém. Percorreu a área com determinação, sua camisa social e calça jeans lhe proporcionaram respeito e soberania. Cumprimentou cada funcionário presente — embora tivesse um cargo superior, sabia que não era melhor do que ninguém. Reflexo da humildade que aprendeu a ter ao longo da vida.

Uma porta titânica o separava do batalhão que o esperava. Inspirou fundo para garantir a cautela e, então, escaneou a face para liberar o acesso.

— Acesso autorizado — disse uma voz robótica.

À sua frente, um cenário militar cobriu suas orbes escuras.

— Estão avançados assim? — indagou.

Aviões, helicópteros e submarinos se tornaram tão comuns quanto encontrar carros em estacionamentos convencionais. Centenas de soldados de San Garch marcaram sua presença, portando armas robustas e tecnológicas, além de terem se aliado com a unidade de combate da Voquinity. O clima não estava tenso, pelo contrário: todos eles trocavam uma ideia sobre a vida nesse espaço a céu aberto.

Iuhan passou a procurar Werner, acenando para os guerreiros que ali descontraíam-se. Seu nome era reverenciado a cada mero jóia, Iuhan possuía uma credibilidade inabalável. O homem de diamante! O Homem Raro! Essas frases ecoavam como o nome de um cantor famoso.

Ao escutar o nome do subordinado, Werner olhou para trás, perdendo a atenção no diálogo que discorria com uma mulher. Assim que viu Iuhan em meio aos militares, levantou o braço para indicar a sua posição.

— Iuhan!!! — clamou.

A rota do Homem Raro foi alterada no momento em que captou a voz, era hora de falar de negócios. Werner explicava sobre o Pranaquiém à mulher, a tal máquina repousava atrás deles, alvejando as nuvens como um míssil.

— Está atrasado, Iuhan. — Werner estendeu sua mão.

— Tive um problema com o trânsito, chefe. — Ele apertou firme em um cumprimento inabalável.

— Eu imaginei. Bom, está praticamente tudo certo para executarmos a operação. A propósito — disse e fitou a vodariana — essa é a nossa comandante chave, responsável por trazer os soldados de San Garch. É conhecida como ‘Capitã’.

— Muito prazer, comandante Iuhan. — Ela também estendeu a mão. — Ouvi falar muito bem de você.

— O prazer é todo meu, Capitã. Você fez um trabalho e tanto trazendo os soldados do seu país.

— Agradeça ao bom humor do Sharkgar — replicou Capitã. — Se não fosse por ele, vocês teriam ainda mais problemas para lidar com o Vital.

Os três papearam sobre Sharkgar e a máquina Pranaquiém, tanto Werner e Iuhan quanto a Capitã preferiram ser cuidadosos em relação ao conhecimento geral da missão.

— Iuhan, vamos direto ao assunto principal — falou Werner. — Irei lhe explicar a ordem de chegada em La Esperanza e o porquê dela.

— Ok.

— Bom — começou Werner — a divisão de San Garch irá pousar primeiro em Cucaplaya, eles precisam antes lidar com alguns indivíduos que estão junto com o Vital.

— Quais?

— Os Arqueólogos de Aralquia.

— Mas eles realmente são um problema? — indagou Iuhan.

— Se não fosse por eles, Lotus Sutol não teria se tornado um Vital. Na verdade, ele nem conheceria La Esperanza.

— E nós não estamos falando de qualquer membro dos Arqueólogos de Aralquia — completou Capitã — estamos falando de Vion Ruster e Sagna, a arqueóloga manipuladora das rochas e o arqueólogo neutralizador.

— Ah… esse Sagna é bem complicado… — bafejou Werner.

— Entendi — respondeu Iuhan. — Entretanto, por que a divisão de San Garch irá pousar antes? Pretendem tirá-los da jogada para facilitar as coisas?

— Exato — afirmou Werner. — Será muito mais exaustivo e complicado com esses dois, especialmente com o Sagna. A Capitã e sua unidade são os únicos que podem bater de frente com eles de uma forma segura.

— Mas, como?

— A resposta está no meu tonabless — firmou Capitã. — Tenho a capacidade de copiar os poderes deles ao mesmo tempo, tornando-me uma máquina destrutiva. Contudo, isso leva um certo tempo durante a batalha, e é aí que minha unidade entra. Combinarei distração, paciência e ação. Ademais, conheço bem aqueles dois.

— Então não seria mais fácil se fôssemos todos juntos? — perguntou Iuhan. — Dessa forma seriam mais distrações para eles.

— Se formos todos juntos, Vion e Sagna podem derrubá-lo antes mesmo de eu conseguir copiar os poderes, o plano inteiro irá por água abaixo. Além disso, dará espaço para Raoni Tlaloc e o Vital entrarem para a luta, o que vai nos deixar em uma desvantagem de poder significativa.

— Então você vai sacrificar sua própria unidade para garantir que copiará os poderes deles a tempo? — questionou Iuhan, com um tom de provocação.

— Tudo por San Garch. — Ela pôs a mão fechada na caixa toráxica.

— Mas você fará muito barulho com esse plano, claramente Raoni e o Vital irão perceber.

— Negativo. Será uma missão silenciosa. Ademais, o Vital e o Raoni estarão preocupados com o tsunami que você o Piromaníaco irão causar.

— E é aí que a Voquinity começa a agir — continuou Werner. — Você e o Piromaníaco estarão em um avião logo atrás, e ele será o responsável por explodir o interior do oceano e causar um tsunami. O Vital se sentirá obrigado a parar, assim como o Raoni, o que vai abrir espaço para a Capitã agir contra os dois arqueólogos.

— E quem garante que eles não vão ajudar o Vital?

— Eu garanto — responsabilizou Capitã.

Iuhan cogitou em questionar ou estabelecer uma mudança no plano, porém tinha ciência que seria inútil. Embora não concordasse, tentaria fazer da melhor forma. Por fim, aceitou se arriscar.

Aff… Tudo bem, será dessa forma. — Ele tentou ter o mínimo de autoridade. — Vocês fincaram isso na cabeça do Piromanía…

KABOOM!

Hahahahahahahahah!

— Caralho!!! — Os soldados vociferaram em uníssono, agachando desesperados.

— Maldito! — Iuhan agiu rapidamente.

Seguidas explosões devastaram os veículos colossais, nenhum conseguiu escapar. Piromaníaco rasgou os céus projetando explosões em todos os cantos, sua sede de fogo banhou o local com uma labareda flamejante.

Aaaargh!

Iuhan criou barreiras de diamante em volta de todos a tempo, ninguém se feriu devido a proteção inquebrável. Entretanto, não foi possível fugir dos zumbidos do estrondo, o maior inimigo dos tímpanos. Tampouco do ar caloroso, cada têmpora se lavou com um suor pegajoso.

— Essa foi por pouco… — aliviou Werner, coberto por diamante.

— Ele está vindo! — Iuhan visualizou Piromaníaco caminhando lentamente.

— Bem-vindos ao show do Piromaníaco! — Ele gargalhava sem parar, seu cabelo laranja sinalizando uma chama ambulante.

Imediatamente, os automóveis bélicos se regeneraram graças à picotecnologia. Porém, Piromaníaco não desistiria até retorná-los ao pó absoluto.

— Irei pará-lo, Werner! Isso foi longe demais! — exclamou Iuhan.

— Relaxe, Iuhan. Ele não vai destruir tudo!

Mais sucessivas explosões aconteceram, impedindo a recuperação total. Mas, a picotecnologia era implacável, resiliente como pedras litorâneas. Piromaníaco encarou-a como sua oponente, não iria se render até derrubá-la.

— Eu vou afundar esse lugar em cinzas! — Ele tinha uma aura maléfica.

— Já chega! — Iuhan se opôs, desfazendo a égide.

— Deixa comigo, Iuhan! — Através da brecha, Werner lançou sua gosma para imobilizar Piromaníaco.

No momento em que a gosma colidiu com o psicopata, ela se disseminou como uma veia, cortando seu fluxo de prana.

— Droga! — reclamou Piromaníaco.

— Ele sempre cai nessa. — gabou-se Werner.

Com o Piromaníaco parado, os veículos foram completamente curados, todavia o pânico dos vodarianos não reduziu. O caos pregado na mente de cada soldado revirou seus estômagos, um frio interno congelante.

— Por pouco, Werner… — Iuhan já havia preparado uma lança de diamante.

— Conheço os limites dele, não precisa se preocupar.

— A Voquinity é pior do que eu imaginei… — disse Capitã.

Após Iuhan desfazer as barreiras, os militares evacuaram do local como pessoas escapando de um tsunami. Piromaníaco era o pesadelo de Voda.

— E aí?! A operação começará quando?! — Piromaníaco não tirava o sorriso do rosto. — Estou louquinho para conhecer o novo Vital!

— Não consigo entender como você confia nesse cara, Werner.

Cautelosamente, Werner fechou os olhos e depois fitou Iuhan, sarcástico como sempre. 

— Repentino como uma explosão, ardente como um vulcão… Piromaníaco é a violência que a Voquinity necessita.



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