Um Alquimista Preguiçoso Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


Volume 1

Capítulo 136: Onde os olhos não vê

A batalha entre Xiao Dong e o Patriarca estava escalando rápido, mas ela não era a única capaz de trazer grandes consequências para a Família.

Em outro canto do território, o confronto travado pelo 9º Ancião Chang parecia ter chegado ao fim. Ainda era possível notar uma quantidade vasta de Energia Espiritual exalando de seu corpo, mas seu estado era deplorável. O vigoroso homem tinha perdido tanto sangue que seu rosto já não era tão altivo e expressivo. Seus lábios haviam sido tomados por uma brancura sepulcral e apesar de estar tentando disfarçar, suas pernas tremiam, assolada pelo frio dos mortos.

Entretanto, seu inimigo, um extraordinário Espirituoso de 2ª Camada e autointitulado de “Qiu”, dispunha de nada mais do que alguns machucados. Não parecia nenhum pouco cansado ou abatido. E para piorar, o 4º Ancião Kun não tinha se esforçado nenhum pouco até agora.

Com o principal combatente abatido, o desastre se mostrava cada vez mais próximo e a situação não poderia piorar.

Porém a pequena Shui precisava discordar de tal afirmação com todas as forças, pois o pior ainda estava para acontecer.

Depois de enfim conseguir derrubar Ning, Tu levou algum tempo se vangloriando. A raiva que experimentou das provocações infantis foi tanta que quando alcançou a vitória, sentiu-se aliviado. No entanto, ele não se perdeu em comemorações e logo que sua razão voltou, outra vez focou em sua missão: capturar o Alquimista.

Foi nesse momento que Xiao Shui se viu obrigada a abrir mão de seus anseios e se superar, afinal era a única apta a continuar protegendo o amigo. E então, ela lutou.

Quando Tu tentou agarrar o semiconsciente Ning, sem sua espada, ela precisou usar as mãos para conduzir a Técnica de Batalha. Mas ao ver o gelo tomando conta da água, seu corpo se estremeceu por inteiro e por um segundo travou uma luta interna para não fraquejar, de novo.

Xiao Shui sabia que seu oponente havia sido enfraquecido, mas ainda assim ficou bastante surpresa ao perceber que a diferença entre eles não era tão grande. Por algum motivo, suas técnicas não estavam respondendo da maneira esperada e após alguns instantes o campo de batalha ficou coberto por estacas de gelo, blocos maciços e cristais.

Pouco tempo depois, a querida discípula da 2ª Anciã voltou para o combate. Porém, não tão disposta quanto antes. Ela tinha se machucado bastante e isso era evidenciado pela maneira com que mancava e na dificuldade exposta ao tentar saltar. Mesmo assim, a corajosa Jiao não perdeu seu semblante desafiador e muito menos aceitou recuar.

E foi nesse ponto que as coisas pioraram.

Depois de passar alguns minutos lutando para não perder a consciência, Xiao Ning enfim conseguiu se recuperar o bastante para entender o que estava acontecendo. E a primeira coisa que seus olhos lúcidos avistaram foi algo que estava sendo ignorado por todos, ou ao menos não estavam dando a devida atenção.

O irmão mais velho de Shui se achava caído a alguns metros de distância e sua situação era desesperadora. Chan não parava de ter convulsões. Sua boca espumava igual a de um animal raivoso e os olhos, mesmo abertos, não passavam qualquer sinal de consciência, pois se encontravam virados para trás, expondo apenas o branco.

Quando viu aquilo, Xiao Ning se levantou aos tropeços e correu na direção do amigo. A jornada, apesar de curta, foi custosa e levou um período considerável. Suas costelas doíam tanto que suas pernas fraquejavam a cada passo. De fato, a dor era tão insuportável que no momento em que ele alcançou o companheiro, caiu com uma mão abraçando a barriga e vomitou.

― Espero que nada tenha sido perfurado ― balbuciou, olhando para o vômito à procura de sangue. Entretanto, para sua sorte, a única coisa expelida foram as refeições do festival. ― Pequena Shui! ― gritou, olhando para trás. ― Eu preciso cuidar do seu irmão. Não deixe ninguém se aproximar.

Sem mais demora, o Alquimista logo começou a aplicar os primeiros socorros no envenenado. A primeira coisa que fez foi arrancar o tecido exposto ao veneno, destruindo assim grande parte da roupa de Xiao Chan. E como ele não tinha nenhuma luva a sua disposição, tomou todo o cuidado para não esbarrar em algo e acabar sendo intoxicado. Em seguida, o médico em horas de necessidade rasgou a própria camisa e com o pano removeu o líquido tóxico acumulado ao redor da ferida.

Sem água ou outro agente mais eficaz para realizar a limpeza, isso foi o melhor que conseguiu fazer para diminuir a exposição do amigo ao veneno. E depois de fazer essas coisas, ele virou Chan de lado e apoiou sua cabeça, para que assim não se afogasse no próprio vômito.

Xiao Ning continuou fazendo o seu melhor para garantir a sobrevivência do amigo. Algo desafiador, pois além de desconhecer a origem do veneno e não possuir equipamentos adequados, precisava lidar com a dor dos ossos quebrados.

Entretanto, enquanto o Alquimista lutava de uma forma diferente, outra questão urgente estava se formando ali do lado.

Qiu se encontrava parado de frente para a cratera aberta pelo relâmpago, mirando o lugar que seu parceiro ocupava um instante atrás. Em seu rosto não existia qualquer sinal de desespero ou pesar, mas ainda era possível notar o espanto que experimentou.

― Quanto poder! ― murmurou, voltando sua atenção para o céu. ― Nunca vi nada parecido.

― Eu lamento por seu amigo ― disse o 4º Ancião que se aproximou eufórico do aliado. Depois do vexame que passou, ser um dos poucos ilesos era motivo para se sentir orgulhoso. ― Mas agora é uma boa hora para acabar com Xiao Chang.

Embora parecesse uma ação óbvia a se tomar, o comentário levou Qiu a lançar um olhar frio na direção do sujeito gordo e de cara inchada.

― Precisamos dele vivo ― alegou, usando de um tom autoritário para deixar claro que não aceitaria controvérsia. ― Vamos pegar o Alquimista e o Ancião e sair daqui.

Xiao Kun não recebeu muito bem a expressão severa do parceiro e franziu a testa para demonstrar sua insatisfação. Por outro lado, ficou satisfeito em saber que a missão ali estava chegando ao fim. Foi por isso que tomou a iniciativa de caminhar em direção a Ning enquanto deixava Qiu se encarregar do outro.

Com raios caindo a todo momento e o vento soprando forte, eles pareciam bastante ansiosos para se afastar o mais rápido possível dos pontos altos. Mas então, uma mudança aconteceu.

O primeiro a sentir o perigo foi Qiu, que imediatamente ficou alerta e criou outro machado. O 4º Ancião demorou um pouco para notar, mas assim que percebeu a aproximação de duas Energias poderosas trouxe de volta seu chicote embebido em veneno.

A despeito da nuvem densa ofuscando a lua e as estrelas, os clarões causados pelos raios revelaram a chegada de duas figuras que atravessaram o céu em alta velocidade e estavam rumando direto para casa do tio Chang.

O invasor não reconheceu de imediato aquelas pessoas, porém o Xiao Kun foi assombrado pela imagem de seus rostos que acenderam em sua mente como uma lâmpada a óleo queimando no fundo de um poço abandonado, pois aquele velho e aquela mulher dividiam o mesmo título que ele.

― Parece que estamos um pouco atrasados ― disse Xiao Huo, que olhou com certa culpa para a dupla de pai e filho, caídos e em péssimo estado. ― Sinto muito.

― Eu prefiro não me envolver ― a voz calma e envelhecida de Xiao Wing se ergue ―, vocês passaram do limite. Colocar a vida de nossos familiares em risco é um crime imperdoável.

Embora suas rugas estivessem caindo sobre seus olhos, deixando-o com uma aparência plácida, como se estivesse dormindo em pleno ar, o 8º Ancião esticou o braço sem muita robustez e tornou a baixá-lo em seguida.

De repente uma enorme pressão caiu sobre Xiao Kun, fazendo seus pés afundarem na terra e forçando-o a se curvar. Naquele momento, o Espirituoso de 2ª Camada não suportou o próprio peso e se ajoelhou. Conforme seu rosto era tomado por uma vermelhidão marcante, seu corpo inteiro começou a tremer. Ele lutou para resistir, para não ser rendido, mas a pressão foi demais e seus braços pouco desenvolvidos cederam, levando-o a esfregar a bochecha rechonchuda no chão.

A chegada daqueles dois trouxe uma virada indesejada para Qiu e a ineficiência do único aliado restante só deixava as coisas mais complicadas. Porém isso não bastaria para fazê-lo recuar.

Enquanto isso, na vila de Pequeno Lar...

Um homem andava tranquilamente pelas ruas desertas do vilarejo, sem qualquer receio de ser encontrado por algum curioso, afinal ele não era dali e sua capa decorada com o desenho de um penjing deixava isso claro. Aquele era o décimo homem que compunha o grupo de invasores liderado por Coo.

Sua fisionomia por si só não era tão impactante, já que ele não possuía braços fortes, corpo robusto e estatura elevada. Sua aparência era muito simplória, exceto pela cabeça colada nos ombros devido à ausência de um pescoço mais saliente. Mas sua confiança ao vagar pelas ruas sem muita pressa, um passo largo e consistente de cada vez, era algo impressionante.

O desconhecido andou até chegar em frente a um prédio composto por sete andares e que se destacava de todas as outras construções existentes na região. Além de seu tamanho descomunal, a parte da frente exibia detalhes ricos de uma arquitetura delicada e suntuosa ao mesmo tempo.

O lugar estava escuro e parecia abandonado, mas ainda era possível ler a placa presa no centro do edifício com os seguintes dizeres: Sede da Segurança Interna.

Aquele sujeito sabia muito bem para onde estava indo, pois avançou pela porta da frente do prédio e cruzou a recepção vazia sem sequer olhar para os lados. Ele andou em direção a um corredor extenso que não tinha janelas e nem portas, atravessou-o e seguiu direto para uma ala que dava passagem a diversas salas.

Em outras ocasiões, aquele lugar estaria repleto de cultivadores, mas pela maneira em que as luzes foram deixadas acesas e as portas abertas, ficava evidente que todos saíram às pressas por causa do ataque surpresa. E isso se mostrou uma grande vantagem para aquele homem que não precisou andar com cautela e nem teve o caminho obstruído por defensores audaciosos.

Demonstrando uma familiaridade assustadora com o local, ele virou à esquerda em uma bifurcação, passou por uma sala que tinha escrito numa plaquinha: Assessor de Defensoria Interna; e seguiu por mais alguns metros no corredor. Sua andança o levou até um caminho sem saída que se encontrava bloqueado por uma porta de madeira maciça. Acima da entrada, uma placa informava: Ala de Treinamento.

Sem qualquer hesitação, o estranho derrubou a porta e entrou no amplo salão. A câmara estava equipada com diversos tipos de aparelhos, desde bonecos de treinamento à ferramentas para exercitar os músculos. E diferente dos outros lugares, nesse não havia luz. A única coisa iluminando era o reflexo do corredor.

Entretanto, o sujeito não deu a menor importância para os apetrechos ou a baixa luminosidade. Seguiu direto para um tatame posicionado sobre um piso elevado feito de concreto localizado no centro do salão.

E mais uma vez, demonstrando uma familiaridade assustadora, aquele homem pouco expressivo tirou o conjunto de tatames de cima do piso, jogando-os de qualquer maneira, e com o punho golpeou o concreto.

Uma rachadura foi aberta de uma ponta a outra do pavimento. Entretanto, o mais surpreendente não foi a força extraordinária do homem, mas sim o eco causado pelo golpe. O barulho não veio do salão deserto ou do corredor vazio, ele veio debaixo.

Sabendo muito bem o que estava procurando, ele empurrou o fragmento de concreto para o lado, revelando assim uma passagem subterrânea. Não era possível enxergar o que havia além dos primeiros degraus de uma escada rudimentar, pois o buraco no chão tinha sido tomado pelo breu.

Contudo, aquilo não desencorajou em nada o homem, que foi logo descendo os primeiros degraus como se a escuridão não o incomodasse.

Sua jornada não foi longa, mas também não terminou depois de se aventurar rumo a uma profundidade desconhecida. A descida levava direto para um corredor e ele, por sua vez, abria caminho para uma alcova que, de alguma forma misteriosa, acendeu uma luz amarelada quando ele se aproximou.

Diante do que parecia ser seu objetivo, o homem continuou andando até entrar numa sala pequena, abafada e úmida. As paredes e o teto eram feitos de barro, dando ao recinto um aspecto cavernoso, mas o candelabro brilhando timidamente em um canto deixava o lugar um pouco mais aconchegante.

A despeito de sua localização muito bem escondida, não havia pilhas de ouro ou pedras preciosas dentro da alcova. Na verdade, as únicas coisas no local eram três púlpitos simples dispostos um do lado do outro nos fundos do cômodo. E sobre cada um deles era possível notar a presença de alguns itens muito comuns.

No púlpito localizado na esquerda ficava um livro, um objeto dotado de dimensões extraordinárias que parecia ter sido feito daquela maneira apenas para dificultar o manuseio. A capa estava gasta, mas ainda era possível enxergar um desenho de alguns animais correndo pelo pasto e na parte de baixo o seguinte título: Cultivação da Planície Infinita ― Volume Único!

O púlpito do centro sustentava um pergaminho tão grosso que mesmo se um homem adulto o segurasse com as duas mãos, a ponta de seus dedos não se tocariam. Não havia nada escrito nele, mas uma plaquinha na base de madeira trazia a seguinte informação: O Domínio do Tigre Azul!

E por último, o pergaminho localizado na outra ponta era comprido e desgastado. Mas diferente do anterior, ele não era composto por papel resistente. O material usado para construí-lo era velino, um tecido preparado a partir de fetos bovinos. E o título trazido por ele era: Xiao Long!

O sujeito sem pescoço olhou para aquele conjunto peculiar por um segundo e depois esquadrinhou o resto da alcova. E então, sem pegar nada ou examinar com mais cuidado, ele se virou e saiu. Aquilo que procurava não estava ali.

Em silêncio e mantendo sua expressão indiferente, o estranho deixou o prédio. Não fez nenhuma outra parada ou tentou encontrar mais esconderijos. Saiu direto pelo mesmo caminho que entrou.

Entretanto, quando ele voltou para rua, algo se colocou em seu caminho, impedindo-o de continuar sua busca.

― Eu estava ajudando minha família a encontrar um abrigo para se protegerem dos raios, mas senti uma Energia poderosa aparecer de repente. ― Quem disse isso foi Xiao Syaoran, o poderoso praticante da 5ª Camada do Reino Virtuoso que havia se recusado a ajudar o 1º Ancião. ― Encontrou algo interessante lá dentro? ― indagou com uma voz autoritária.

Nenhuma resposta foi dada. O estranho apenas olhou indiferente para o Virtuoso.

― Quem é você e o que está fazendo aqui? ― insistiu Syaoran, mas o desconhecido continuou o ignorando. Não havia expressão em seu rosto, nem mesmo surpresa ou preocupação por ter sido descoberto. ― Que criatura estranha ― comentou enquanto avaliava cada aspecto do invasor. ― Não sinto nada vindo de você além da Energia. E esses seus olhos vazios... Bem, não importa! Sei que não sou um oponente a altura, mas irei lhe fazer companhia até que nosso esquadrão de defesa apareça.

A diferença de força era inegável e sendo um cultivador experiente, ele sabia que não poderia vencer ou rivalizar com um Espirituoso. No entanto, sua determinação em não deixar o oponente se afastar era genuína.

Ao mesmo tempo, de volta aos arredores da casa do Patriarca...

A batalha entre Enlai e Xiao Dong ficava mais intensa a cada instante. O Long tinha a vantagem no céu, mas o tigre era feroz e persistente. Toda vez que sua mandíbula abria e suas garras apareciam, escamas inteiras eram arrancadas, deixando a entidade mais vulnerável.

A força contida naquela técnica era sufocante e isso mesmo o Patriarca precisou concordar. O velho continuava lento e parecia estar tendo dificuldade para lidar com sua própria habilidade, mas ainda assim era muito perigoso se aproximar de forma descuidada.

O confronto estava exigindo muito dos dois lados. Depois de se defenderem e atacarem consecutivas vezes, ambos já apresentavam sinais de exaustão, como respiração pesada e suor excessivo. Mas nenhum deles estava disposto a abrir mão da vitória.

Seja como for, o desfecho daquele embate se aproximava...

 


Niveis do Cultivo: Mundano; Despertar; Virtuoso; Espirituoso; Soberano do Despertar; Monarca Místico; Santo Místico; Sábio Místico; Erudito Místico.

 


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