Um Alquimista Preguiçoso Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


Volume 2

Capítulo 165: Atrito

O comandante da Ordem Pública propôs que a discussão a seguir fosse feita em particular, apenas ele, seus homens e o Alquimista. Entretanto, essa ideia logo foi rejeitada por Heloísa. Segundo ela, agora que existia uma aliança entre sua Seita e os Xiao, qualquer proposta feita dentro de território Eburneano deverá ser acompanhada por um representante local.

Isso causou certo desconforto no comandante que preferia não envolver terceiros. Mas ele logo percebeu que não teria muita escolha. Porém, o que mais o deixou desconfortável foi a fala do Alquimista, de que, independentemente do assunto, deveria apenas falar na presença de todos, pois quando estivesse sozinho, o próprio revelaria o que foi abordado.

Masao tentou disfarçar, mas ficou visivelmente incomodado com a franqueza e falta de decoro do rapaz. Mesmo assim, o assunto que precisava abordar era de maior urgência, de modo que não podia se reservar o privilégio de sair antes de falar o que precisava.

Dessa forma, embora se sentisse um tanto desconfortável, mudou a proposta para que a conversa acontecesse em um ambiente mais reservado. E Ning escolheu a cozinha, já que teria lugar para todos se sentarem.

Chegando lá, eles se dividiram em dois grupos. O que queria fazer a proposta se sentou em uma ponta da mesa e o que ouviria ocupou a outra. A única exceção foi Carlos, que por ordem de Heloísa precisou se retirar... ou melhor, foi retirado pelo homem que anunciou os visitantes.

Xu Xia escolheu se sentar ao lado da Santa Mística, a qual abriu mão da posição de destaque para o preguiçoso, que ficou na ponta ― de frente para Masao. Por não ter ligação com nenhum dos grupos, ela não tinha obrigação e muito menos o direito de estar ali. Mas quando viu todos caminhando junto para um mesmo lugar, decidiu acompanhar para ver o que aconteceria. E a menos que alguém exigisse sua saída, ficaria até o fim.

Agora que cada um já havia escolhido um lugar, a reunião começou.

― Antes de mais nada, acho que o correto seria me apresentar. Eu me chamo Ito Masao, mas prefiro que me chamem pelo primeiro nome. Acho que assim fica mais fácil criar laços. Eu ocupo o cargo máximo dentro da Ordem Pública, uma organização que atua com o objetivo de manter e preservar a ordem e a paz dentro do meu reino.

E tal apresentação foi o bastante para causar o primeiro estranhamento entre Shui e os demais, com exceção de Heloísa, que já sabia de tudo isso.

― Se você controla uma força pública interna, por que está tão longe de casa? ― quis saber Chan que, a despeito da dor de cabeça, estava atento.

― Você não me parece tão autoritário ― observou Ning, que notou certo pacifismo na postura e jeito de falar do homem que se dizia “comandante”.

― Obrigado! ― Masao recebeu o comentário do Alquimista como um elogio. ― E, sim. Eu deveria estar em meu país agora, cuidando dos assuntos internos. Não é normal para alguém em minha posição sair dessa maneira, mesmo que seja para frequentar o Leilão da Casa das Relíquias Perdidas. Mas é devido à natureza urgente que minha nação enfrenta, que eu fui obrigado a partir nessa jornada.

O tom misterioso do sujeito vestindo um Kimono deixou o grupo do preguiçoso ainda mais intrigado. O luto em sua fala evidenciou que algo dramático estava acontecendo e por isso merecia todo o cuidado ao ser anunciado.

Ito fez uma breve pausa antes de continuar e, aumentando a tensão no recinto, respirou fundo.

― Agora, eu gostaria que mantivessem o assunto a seguir em segredo, pois o que irei revelar pode afetar diretamente o meu reino. ― A partir desse ponto, Masao não disse uma única palavra até que todos os presentes prometessem não tornar pública as informações a seguir. E assim que o grupo confirmou que não revelaria nada a pessoas de fora, ele voltou a falar: ― A verdade é que o nosso chefe de estado se encontra com a saúde debilitada. Não sabemos quanto tempo ainda lhe resta.

― O Xogum, Taishi, está doente? ― A notícia surpreendeu a Grã-chanceler que enfim compreendeu o motivo de Ito estar tão relutante em falar na frente de tantas pessoas.

― Há pouco mais de seis meses, o Xogum foi atingido por... uma doença que não entendemos. Foi muito repentino e o obrigou a se afastar de suas responsabilidades. No começo, pensamos que desapareceria com o tempo. Afinal não é comum cultivadores adquirirem enfermidades. Mas conforme o tempo passava, seu estado piorava.

― Se o seu chefe de estado está tão mal quanto diz, você não deveria estar ao seu lado agora? ― Xiao Qiao não sabia muito a respeito do Reino de Amêi, mas estranhou o fato de um comandante importante deixar o seu cargo vazio em um momento de crise.

Em uma situação como essa, o esperado era que os principais dirigentes cercassem o Xogum para que nenhum boato danoso vazasse e que pudessem continuar conduzindo as políticas internas e externas no intuito de minimizar qualquer tipo de problema.

No entanto, para o questionamento do Ancião, a reação de Masao foi mais severa do que o esperado.

― Eu não sei como sua Família trata o seu Patriarca, mas no nosso reino, nós amamos nosso líder e fazemos de tudo para que ele fique bem.

Após o que pareceu uma bronca, o ambiente mergulhou em uma sensação desconfortável e constrangedora. Mas isso não durou muito, já que o comandante logo voltou a falar.

― Nossos médicos tentaram de tudo, porém não conseguiram minimizar os sintomas. Conforme a doença progredia, nós passamos a buscar por ajuda externa. E mesmo isso não adiantou. Ninguém sabe qual é o problema. Para ser sincero, estamos sem solução.

― Isso parece muito grave ― comentou Xiao Shui, que se sensibilizou com o sujeito de expressão abatida. Quanto mais falava, mais abalado ele parecia ficar.

― E de fato é ― confessou com uma voz pesada. ― Não sabemos quanto tempo nosso líder irá aguentar. Em uma última tentativa, eu e outros comandantes e representantes deixamos nosso reino em busca de algo ou alguém que possa nos ajudar. Eu fui ao leilão na esperança de encontrar um artefato que pudesse curar doenças. Algo do tipo já foi vendido no passado, mas não tive tanta sorte dessa vez.

― Não é tão fácil achar esse tipo de coisa ― defendeu-se Heloísa.

― Veja bem ― continuou Masao. ― Eu não tenho nenhuma obrigação de contar tudo isso, mas espero que esse relato o sensibilize ― falou olhando para Ning. ― Quando ouvi que você, além de ser um Grã-alquimista, possui conhecimentos médicos, percebi que isso pode ser o que eu estava precisando. Nunca alguém tão capacitado tentou encontrar uma solução para a doença do meu senhor. Se puder me acompanhar até meu reino e...

― Eu entendo sua situação ― nessa parte, o 5º Ancião, que se mostrou um tanto mais severo, viu a necessidade de intervir. ― Mas viajar para outra nação é algo que necessita da aprovação do resto da Família.

A interferência do sujeito de cabelo grisalho gerou outro incômodo por parte do comandante que, por um segundo, estreitou os olhos e encarou o praticante com uma expressão desgostosa. E embora pudesse dizer mais uma centena de palavras sobre a urgência da situação, ele preferiu ignorar o que tinha escutado e focar no Alquimista.

― Eu escutei que sua Família possui uma dívida de mais de setenta mil moedas de ouro.

― Como você sabe disso? ― estranhou Shui, que pensou que esse era um segredo guardado de forma rigorosa, afinal nem mesmo os demais integrantes sabiam do valor aproximado da dívida.

― Eu havia mencionado que depois do leilão, Xiao Ning se tornou grande foco, não apenas de Seitas e Famílias, mas também de outras nações. E o mesmo aconteceu com a Família Xiao. Nessa situação, não existem muitas coisas que possam ser ocultadas.

― Mas o que isso tem a ver com a doença do Xogum? ― indagou Xiao Qiao de forma brusca.

E a resposta foi igualmente áspera.

― Se conseguirem reverter a enfermidade do meu líder, minha nação estará disposta a quitar a dívida em seu lugar. Acredito que já perceberam que dinheiro não será problema.

A vantajosa proposta provocou reações espantosas de todos os presentes, até mesmo da Santa Mística, que encarou o comandante com olhos desconfiados. Para estar disposto a oferecer tanto sem ao menos negociar, a situação do Xogum poderia ser pior do que imaginou.

Xu Xia olhou para os Xiao com certa curiosidade. Era impossível não se perguntar o que eles fariam a seguir, ainda mais levando em consideração que mesmo ela ficou tentada a dizer “sim”. Igualmente intrigado, Chan olhou para o amigo e então para o 5º Ancião que tinha autoridade para tomar todas as decisões. E falando nele, o praticante Espirituoso de 2ª Camada era o menos empolgado.

Talvez fosse por não ter gostado muito da postura inicial do comandante, quem sabe foi pelo breve atrito que tiveram ou talvez algo mais instintivo, mas Xiao Qiao se recusou a celebrar pela oferta e manteve a postura rígida.

E tais reações não escaparam dos olhos atentos de Ito que avaliou as feições dos presentes com muito cuidado. Percebendo a necessidade de ser mais assertivo, ele ainda acrescentou, após esperar um breve momento para o impacto inicial passar:

― Eu também ouvi dizer que o Alquimista aprecia uma boa festa, assim como a companhia de belas mulheres.

― Estava me espionando, é? ― Xiao Ning não precisou de muito para entender o motivo da convicção do sujeito imediatamente à sua frente. E embora o preguiçoso condenasse o outro por sua indiscrição, Shui culpou o preguiçoso por sua irresponsabilidade.

― De forma alguma! ― Masao logo tratou de se justificar. ― Eu estava apenas conferindo seus interesses a fim de fazer a melhor proposta possível.

― E conseguiu encontrar algo? ― perguntou Ning que ainda se mantinha calmo.

― Nós temos muitas mulheres lindas em nossa cidade e somos famosos pelas festas que acontecem dia e noite. Tenho certeza de que se o Grã-alquimista conseguir curar o nosso líder, todas serão imensamente gratas por suas habilidades.

Ouvindo essa parte e levando em consideração a enorme irresponsabilidade apresentada pelo colega ao longo da vida, Shui ficou muito preocupada com qual seria a sua reação e logo tratou de se preparar para reagir e tentar minimizar quaisquer que fosse sua decisão inconsequente.

Mas para a sua surpresa, quando se virou e encarou o já citado, percebeu que o mesmo se mantinha calmo, sem nenhum sinal de euforia. Ele estava sóbrio e a tentação parecia não ter lhe alcançado.

Ainda assim, a indiferença por parte do Alquimista não foi incompleta. Parecia interessante viajar para um lugar que não havia conseguido ir em sua vida passada. Talvez pudesse encontrar uma Erva incomum, como aconteceu mesmo estando no Império Dourado.

― Com tantas ofertas assim, fica difícil recusar ― disse ele de maneira casual.

O aceno positivo que recebeu, provocou uma perturbação imediata no comandante, que respirou fundo, percebendo estar a um passo de conseguir a ajuda que precisava.

― Espere um pouco, Xiao Ning. ― Porém, o 5º Ancião ainda não estava convencido. Embora tenha passado a maior parte do tempo acuado e pressionado por ter de proteger uma figura tão inestimável para a Família, ele sabia que não podia ser negligente em tal situação. ― Antes de tomar qualquer decisão, precisamos pedir permissão ao Patriarca. Além do mais, viajar até o Reino de Amêi não é tão fácil assim. É preciso atravessar o oceano e isso exige uma equipe adequada, sem falar do barco reforçado. Precisamos de tempo para avaliar a questão.

― Infelizmente, meu líder pode não ter tanto tempo ― retrucou Masao, que por um segundo olhou feio para Xiao Qiao. Mas entendia que o outro lado precisava ser precavido e, por isso, logo mudou de postura. ― Se a oferta não for o bastante, estamos dispostos a negociar. E se sua preocupação for a segurança, saiba que temos uma equipe preparada e um barco adequado para a jornada. Isso não será nenhum problema.

― Mesmo que diga isso, não podemos ser negligentes ― insistiu o homem que havia recebido a confiança do Patriarca.

Por parte do 5º Ancião, a decisão já havia sido tomada. Algo que se notava em sua expressão resoluta, bastante incomum. Mas Ito ainda não estava convencido, assim como o Alquimista.

― Ora, não precisa ser tão rígido ― disse Xiao Ning com seu típico tom casual. ― Se a gente ir e não gostar, é só voltar.

― Infelizmente, eu não posso pensar assim. ― O Ancião não cederia.

E nesse ponto, ficou claro que uma discussão mais profunda precisaria acontecer antes que qualquer decisão fosse tomada. E foi nesse ponto que Heloísa viu a necessidade de intervir.

― Como pode ver, eles precisam de um tempo para decidir o que fazer internamente ― disse ela, mirando o sujeito de Kimono. ― É lamentável a situação do Xogum, mas no momento não há nada que possa fazer. Eu irei lhe informar assim que uma decisão for tomada. ― Assumindo que a conversa havia terminado, ela se levantou e apontou para a saída da casa.

Tal gesto mostrou a Masao que não lhe restava muita escolha, a não ser se afastar. E embora estivesse frustrado, sabia que seria um erro insistir. Dessa forma, ele e seus homens se levantaram e se prepararam para sair. Porém, antes de partir, o praticante Espirituoso falou:

― Por favor, decidam-se o quanto antes. Se possível, gostaríamos de partir amanhã, pois como mencionei, o tempo é nosso inimigo.

 


"Perguntei" para a IA como seria um Gorila-quebrador-de-ossos, essa foi uma das imagens que ele me deu.

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