Um Alquimista Preguiçoso Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


Volume 2

Capítulo 180: Morro da Melodia

Quando entrou na cidade, Ning e os demais perceberam logo de início que a capital do Reino da Lua Verde era muito diferente da encontrada no Império Dourado. Reluzente era gigante, com prédios enormes, ruas espaçosas e uma multidão imensa andando para todos os lados enquanto carruagens e outros veículos brigavam para avançar em certas avenidas.

Por outro lado, a paisagem aérea de Porto Verde, a capital oficial do reino, era livre de edifícios colossais, de modo que a visão do céu e dos morros nas laterais podia ser alcançada por qualquer um, dando enorme destaque ao verde natural. E quanto ao número populacional, mesmo na parte mais movimentada do mercado ficava evidente a desigualdade que existia entre as duas capitais. Outra coisa que ganhava destaque era o silêncio que ali fazia, em oposição ao fuzuê da aclamada “cidade que reluz”.

E tudo isso ficou ainda mais evidente quando o grupo deixou a feira livre e entrou, de fato, na periferia e foi confrontado pela imagem das primeiras casas locais. As moradias eram separadas da rua por um tipo de cercadinho de bambu que marcava os limites de cada propriedade. Por causa disso, nenhum dos convidados conseguia ver com clareza as residências que dispunham de, no máximo, dois andares. Mas ainda era possível enxergar o telhado longo e curvado que contribuía para o aspecto marcante das construções.

Contudo, do ponto de vista de Shui, a arquitetura não parecia tão distante da encontrada na Cidade da Fronteira do Caos. Por exemplo, o telhado longo e curvado era muito comum dentro das construções da Família Xiao. E as casas, evidentemente feitas de madeira, também possuía grandes similaridades. Mas uma coisa precisava admitir: o trabalho de marcenaria era bem-feito em cada detalhe.

Além da arquitetura similar, outro ponto peculiar que a jovem de cabelo azul notou foi a impressão “branda” que sentiu do lugar. Ela não teve a mesma sensação esmagadora de quando chegou à Reluzente. Se não fosse pela falta de uma muralha circular, o mercado de peixes e as ruas estreitas sem calçadas, pensaria que voltou para a Cidade da Fronteira do Caos.

Seja como for, o grupo avançou pela área composta por uma estrada limpa e cuidada com extremo esmero, de modo que parecia ter sido varrida e lavada há poucos minutos.

Segundo o que Masao falou através de um grito, já que os riquixás não conseguiam andar lado a lado naquela parte da cidade, se eles seguissem em frente sairiam numa avenida que os levaria direto para o castelo do Xogum. Porém, o comandante desejava dar um pequeno “estímulo” ao médico que salvaria seu mestre e por isso propôs para que eles fizessem um pequeno desvio. Dessa forma, os veículos entraram em uma rua à direita e avançaram para o outro extremo da cidade.

A jornada foi curta, não passou de dez minutos com os guias do veículo andando sempre em um ritmo constante. E após uma breve ladeira, eles saíram em um lugar que não demandou de explicação por parte do comandante para o grupo entender o motivo de estarem ali.

Sob o comando de Masao, os riquixás entraram em uma rua comprida e espaçosa chamada de Distrito da Flor, que contava com uma calçada confortável para os pedestres. Diferente da área residencial, não existiam cercas demarcando os limites de cada propriedade, embora o conceito de privacidade fosse essencial. E outra coisa que se destacava era a aparência das “casas”.

Diferente das residências anteriores, cujas paredes conservavam a matiz natural da madeira, as casas dessa região exibiam cores intensas e exuberantes, que se destacavam de qualquer coisa já vista até então. As fachadas eram pintadas ― escarlate, amarelo e diversas outras tonalidades. Além do mais, em todas elas, sem exceção, havia uma vitrine ou sala aberta, como uma varanda, na qual ficava uma mulher bela em destaque.

As mulheres, todas elas, usavam roupas semelhantes ao Kimono de Masao, porém com alguns traços distintos e cores mais vivas que as deixavam mais suaves e charmosas. Paradas em seus respectivos pontos, elas acenavam para quem passava enquanto exibiam sorrisos graciosos e convidativos.

Entretanto, apesar do esforço das garotas, não havia muitas pessoas por ali, de modo que a imensa rua era ocupada por pouco mais de dez homens portando espadas curvas, andando a pé.

Quando chegou naquele local, Xiao Ning, que logo entendeu o motivo de Masao ter feito o desvio, ficou de pé e abriu bem os olhos que brilharam de empolgação. Embora o lugar estivesse vazio, sem nenhuma dúvida era ali que as pessoas iam para aproveitar a noite e festejar.

Por outro lado, ao notar a empolgação de seu chefe, Shui franziu a testa e alertou:

― Não faça essa cara de bobo. Se comporte. ― Por estarem longe de casa, ela entendia que eles precisavam manter certa discrição, ainda mais levando em consideração os perigos desconhecidos daquele reino. Mas infelizmente, esse tipo de pensamento racional parecia não fazer parte do raciocínio do Grã-alquimista.

Xiao Ning ignorou o aviso e continuou olhando ao redor de uma maneira admirada. As mulheres paradas atrás das vitrines ou nas salas abertas detinham uma beleza exótica que ia muito além de suas vestimentas. Cada uma apresentava traços únicos, como cabelos de tonalidades e tamanhos diferentes, sardas no rosto, olhos grandes e estreitos. Entretanto, o que de fato chamava mais atenção era o tom de suas peles que revelava uma grande variedade de etnias. Algumas eram tão brancas quanto giz, outras apresentavam uma coloração amarelada, e tinha também aquelas com pele marrom e até mais escuras, igual ao Noah.

A medida que o grupo cruzava a rua e Ning ficava mais empolgado, Masao, que mais uma vez pediu para os carros ficarem emparelhados, olhou para o seu convidado especial e falou:

― Esse é um dos pontos mais procurados da cidade. Sei que estou me precipitando, mas se conseguir realizar sua missão ― preferiu não abordar o assunto diretamente, em público ―, tenho certeza que será tratado muito bem aqui.

O comandante estava confiante de que isso serviria para deixar o Grã-alquimista mais determinado. Tanto é que, assim que terminou de dizer isso, ele disse para o homem puxando o riquixá no qual se encontrava avançar para não obstruir a vista dos passageiros do segundo veículo.

No entanto, a animação de Xiao Ning de repente desapareceu. Ele ainda estava de pé, mirando as casas coloridas, quando o brilho em seus olhos sumiu e a expressão em seu rosto murchou. Por alguns segundos, o preguiçoso ficou estudando o seu entorno, mas sob uma nova perspectiva, única e incompreensível. Foi então que ele decidiu voltar a se sentar e se aquietar.

Não apenas Shui, mas Corina e Qiao acharam seu comportamento muito estranho. Seu humor passou por uma variação rápida e perceptível, que não deixou dúvidas para nenhum deles que algo havia acontecido.

Entretanto, apesar da mudança súbita, nenhum dos três perguntou o motivo. Depois do ataque que sofreram, a única coisa que desejavam era não arrumar mais problemas. E a melhor forma disso acontecer era com o encrenqueiro do grupo ficando quieto.

Depois daquele breve desvio, a jornada voltou a avançar rumo ao destino original. Os riquixás entraram de novo na área residencial e prosseguiram por mais alguns minutos até cruzar toda a cidade. Os guias se mostraram pessoas resilientes, pois apesar de estarem andando sem parar por algum tempo, eles ainda não demonstravam sinais de cansaço ou coisa do tipo. Seguiam avançando, sempre no mesmo ritmo, sem paradas para descanso ou para acrescentar curiosidades locais.

Após cruzar a cidade, Ning e os demais foram informados que a próxima, e última, parada seria no castelo do Xogum, localizado atrás do que os locais chamavam de Morro da Melodia.

O monte citado ficava imediatamente na ponta oposta da entrada costeira da cidade. E era de fácil acesso. Tanto que, quando chegou no Reino da Lua Verde, ainda no ancoradouro, Shui o viu de longe, embora não soubesse do que se tratava na época.

Seja como for, assim que deixou uma das áreas residenciais, o grupo entrou em uma estrada única, muito bem construída e cuidada, que levava direto para um morro próximo, responsável por pintar grande parte da paisagem de fundo. A elevação exibia um verde exuberante que se tornava ainda mais vivo que se tornava ainda mais vivo ao ser combinado com outras cores naturais que floresciam em abundância em árvores, arbustos e canteiros pendurados em encostas.

Porém, em canto algum era possível ver a presença de alguma construção humana que indicasse a existência de um grande palácio ocupado pelo líder soberano. Parecia até uma reserva intocada.

Os riquixás seguiram pela estrada solitária, que depois de deixar a cidade, já não se fazia rodeada por casas ou estabelecimentos de qualquer tipo. Era uma via que parecia levar para fora dos domínios da região.

Ao invés de subir o morro, o caminho fazia uma curva que buscava contornar a parte mais baixa, rodeando a elevação mesmo que isso significasse seguir por um trajeto mais longo. E quando o grupo de forasteiros chegou mais perto do monte, eles entenderam o motivo da estrada ser assim, pois rodeando a imensa reserva natural, havia uma cerca alta de madeira com arame farpado no topo, deixando bem claro para os intrusos ficarem longe.

O bando seguiu pela estrada por poucos instantes, até saírem do outro lado do morro. E foi nesse momento que uma nova visão se abriu para Ning e os demais.

Eles ainda não tinham uma visão clara da residência do Xogum, mas conseguiram ver, no topo, os indícios fortes de uma construção monumental que, no entanto, se encontrava cercada por outra camada de proteção. Porém, não foi isso que de fato chamou a atenção do grupo.

A rua terminava em uma rotatória que ficava de frente a um imenso portão fechado, vigiado por quatro guardas armados com lanças. E embora o portão e o muro que o sustentava não permitisse ver o que se escondia imediatamente atrás, a visão ampla do monte revelou algo que para Ning foi aterrador.

A partir daquele ponto, os visitantes deveriam seguir por uma longa escadaria composta por degraus largos e abertos, que aos olhos do preguiçoso parecia não ter fim.

Quando ele notou a escada, sua empolgação que tinha murchado após passarem pelo Distrito da Flor, desapareceu de uma só vez. Com a boca aberta e um legítimo assombro decorando seu rosto, por um instante, Xiao Ning olhou abismado para as centenas, talvez milhares, de degraus compondo a escada. Em seguida, virou-se para Shui e os demais e falou:

― A gente fez o que pôde. Mas já era tarde demais. Vamos embora? ― Apesar de ter acabado de descer do riquixá, ele se virou e ameaçou voltar para o veículo.

Mas Shui o agarrou pelo braço e o impediu de fugir.

― Para de chorar ― disse ela em tom de repreensão. ― A gente já veio até aqui.

― Você viu o tamanho daquilo, pirralha? A gente vai morrer! ― choramingou o preguiçoso, apelando para a empatia e compreensão da colega. Porém, sem sucesso.

― É impressionante, não é? ― Neste momento, Ito Masao se aproximou. Ele tinha acabado de ordenar que seus subordinados avisassem os guardas protegendo o perímetro para abrir o portão enquanto ia buscar os convidados. ― Nós chamamos de Escalada ao Paraíso. Todos que chegam aqui, independentemente do status, precisam subir degrau por degrau.

― Em outras palavras, vocês já começam com a tortura, não é? ― retrucou Ning, que não estava nem um pouco satisfeito.

O comentário arrancou um sorriso singelo do comandante, que preferiu não encarar como ofensa chamar um símbolo cultural reconhecido de objeto de tortura.

― Vamos indo? ― convidou Masao ao reparar que o portão foi aberto. ― Ainda teremos um longo dia pela frente.

 


Niveis do Cultivo: Mundano; Despertar; Virtuoso; Espirituoso; Soberano do Despertar; Monarca Místico; Santo Místico; Sábio Místico; Erudito Místico.



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