Um Alquimista Preguiçoso Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


Volume 2

Capítulo 182: Bela e espontânea

Após Masao sair apressado em busca do falado Xogum, Corina e os demais permaneceram no pátio, aguardando pela próxima instrução do que deveriam fazer.

Com seu nariz empinado e a postura firme, parecia que ela não estava nem um pouco intimidada por estar em um lugar que, sem dúvida alguma, apenas os mais abastados e renomados podiam frequentar. Além do mais, o olhar vigilante dos praticantes ao redor tornava a experiência mais sufocante. Todos os seis homens no átrio, encarregados de observar os passos dos estranhos, eram apenas Virtuosos. Porém, algo na Energia afiada que liberavam exigia certa cautela.

Ainda assim, a expressão no rosto da jovem de dezesseis anos e cabelo dourado era de indiferença. Parecia até que nenhum daqueles fatores pudessem abalá-la. Contudo, a verdade era muito diferente.

Corina manteve sua postura rígida de sempre. Mas, por dentro, seu coração batia rápido e a respiração estava um tanto quanto eufórica, e não era por causa do cansaço. Olhando de perto, ficava evidente o seu desconforto por estar em um lugar pouco familiar e cercada de cultivadores cujo poder se sobressaia.

No entanto, ela não era a única que se sentia desconfortável.

Em sua tentativa de mudar de foco e não prestar muita atenção nas próprias inseguranças, a Despertada de nariz empinado acabou se distraindo com a figura desajeitada de Xiao Qiao.

Diferente dela, o 5º Ancião da Família Xiao não conseguia nem ao menos esconder a ansiedade. Ele estava andando de um lado para o outro enquanto mantinha a cabeça baixa e um olhar preocupado. De tempos em tempos, o Espirituoso murmurava alguma coisa incompreensível e colocava a mão sobre o estômago e a boca, como se estivesse tentando segurar a moléstia que tentava fugir pela goela acima.

Quando enfrentou a inimiga desconhecida no caminho até aqui, ele demonstrou a imponência e confiabilidade esperada de um Ancião. Embora não o conhecesse muito bem, naquele instante, Corina teve certeza de que Xiao Qiao enfrentaria qualquer inimigo que fosse preciso sem recuar.

No entanto, sua forma de agir era muito diferente no atual presente. Seu rosto estava pálido como o de um coelho assustado, encurralado em sua toca pela raposa. Os episódios de arrependimento ficavam cada vez mais constantes, apesar de já ter chegado ao local e não ter mais volta. Mesmo assim, parecia que ele desejava muito ter feito uma escolha diferente.

Corina achou melhor não intervir, mesmo que fosse para tentar acalmar o sujeito. Porém, embora estivesse tentando não se intrometer, foi impossível não achar hilário e contraditório o fato de que um homem tão respeitado entre os Xiao pudesse ficar tão nervoso e inseguro antes de sequer ter um motivo para tal.

Os únicos que se mostraram alheios a situação foram Ning e Shui, que passaram a andar de um lado para o outro ao chegarem no pátio. Entretanto, a falta de nervosismo da menina não era por sua enorme confiança, e sim devido ao seu incessante trabalho de cuidar do amigo.

Apesar de ter feito um drama exagerado enquanto subia a escada, agora que tinha terminado a escalada, Ning milagrosamente se recuperou do cansaço e estava andando de um lado para o outro feito uma criança travessa, empolgada com tudo o que via. Se não fosse Shui para repreendê-lo e mantê-lo no lugar, ele já teria escapado e fugido para alguma aventura irresponsável.

Os dois, que quase nunca se afastavam um do outro, continuaram correndo feito gato e rato pelo pátio, ao passo que o Ancião ficava ainda mais ansioso. Nesse meio tempo, Corina aguardou com expectativa pelo retorno de Masao, para que esse pudesse apresentar o local para o bando, deixando-a, dessa forma, mais confortável.

Entretanto, quem apareceu para buscar o grupo vindo da distante Cidade da Fronteira do Caos não foi o comandante.

Depois de alguns minutos esperando, uma mulher trajando vestes coloridas e usando uma espécie de sandália de salto alto feito de madeira, apareceu, com um sorriso convidativo, dizendo aos convidados que os guiaria até seus aposentos.

― Eu soube da viagem cansativa que tiveram ― disse ela logo após se apresentar como sendo Michi, uma das empregadas. ― O senhor Masao me pediu para guiá-los ao aposento em que ficarão durante a estadia no castelo. Por favor, sigam-me.

Em seguida, Michi conduziu o grupo através do átrio, levando-os direto para o prédio à direita. E foi nesse ponto que Corina viu algo que não tinha reparado até então.

Além das paredes de madeira, que davam um charme único ao local, outro elemento se destacava na arquitetura. A porta de correr, localizada no centro do edifício, era feita de painéis peculiares que ressaltavam a vista. Tratava-se de uma moldura de madeira composta por vários espaços retangulares, como pequenas janelas, que eram preenchidos com um papel translúcido que deixava parte da luz natural entrar.

A empregada abriu a porta com muita delicadeza e pediu para que os convidados deixassem seus calçados na pequena área localizada logo na entrada e que, ao que tudo indicava, tinha sido feita especialmente para esse propósito, pois era possível notar alguns sapatos encostados em um canto.

Para Corina e os demais, aquilo foi muito estranho, já que não tinham o hábito de entrar em casa sem os sapatos. Mas nenhum deles questionou o pedido e, sem demora, trocaram os calçados por algumas pantufas guardadas em uma estante na lateral.

Depois disso, eles enfim adentraram no castelo. E se antes a impressão artística do prédio era presente, uma vez no interior do recinto, isso se tornou ainda mais evidente.

As paredes do largo corredor eram decoradas com pinturas paisagísticas de ondas do mar arrebentando em um penhascos e campos verdes e floridos do outro lado. Cenas naturais de diversos tipos podiam ser encontradas ao longo do corredor em grandes painéis coloridos que exibiam um estilo único de pintura, às vezes suave e misterioso, outras brutal e realista.

O grupo ficou bastante encantado com a visão e por isso diminuiu a marcha à medida que atravessavam o corredor que dispunha de algumas portas de correr que levavam para algum cômodo.

Permitindo que os visitantes tivessem tempo para apreciar as belas pinturas, Michi avançou sem pressa até chegarem no segundo andar. Foi então que ela parou em frente a uma divisão cortando a ala e falou:

― A partir daqui, fica o dormitório feminino. Eu levarei as garotas para conhecerem as instalações e depois voltarei para guiá-los aos seus aposentos ― disse para Ning e Xiao Qiao.

Em seguida, ela abriu a divisória e levou Shui e a nova integrante do bando do Grã-alquimista para conhecer a área.

Quando atravessou a porta deslizante, Corina ficou surpresa com o que encontrou do outro lado. Assim como as partes anteriores, as paredes eram pintadas e existiam diversas portas no corredor que levavam para salas adjacentes. Contudo, a diferença é que essa parte estava cheia de vida, ocupada por garotas bonitas andando para todos os lados.

Logo que atravessaram a divisória da ala do dormitório feminino, as duas foram confrontadas por belas mulheres que estavam em um salão localizado na entrada. Algumas pareciam serem quase tão jovens quanto elas, outras já possuíam feições mais experientes. Mas, uma coisa todas tinham em comum, algo que vale destacar: eram tão belas que poderiam derreter o coração de qualquer homem.

Quando Shui e Corina chegaram, acompanhadas por Michi, as mulheres, sentadas em sofás ou paradas em frente as janelas com vista para o exterior, pararam o que estavam fazendo e se viraram para encarar as garotas. Elas ficaram bastante curiosas com o surgimento de rostos novos, porém preferiram não dizer nada e apenas ficaram as assistindo passar.

As praticantes de Nível Despertar, contudo, sentiram-se desconfortáveis e ficaram aliviadas quando deixaram o salão.

Elas andaram por mais alguns instantes, até que enfim pararam de frente a uma porta fechada que tinha a pintura de um pessegueiro e Michi falou:

― Vocês duas ficarão aqui.

― No mesmo quarto? ― perguntou Shui.

― Sim ― respondeu a empregada. ― Algum problema?

Nesse momento, Shui olhou de lado, para a colega indesejada e, após um segundo de hesitação, balançou a cabeça e respondeu:

― Não. Nenhum.

Na sequência, Michi não se deu ao trabalho de fazer as devidas apresentações às garotas. Ela apenas se despediu e voltou a passos largos para encontrar Ning e o Ancião.

Protegido por uma porta também de deslizar, o quarto que as garotas deveriam dividir durante o período em que ficariam alojadas no castelo era espaçoso de certa forma, porém muito simples. O cômodo era desprovido de qualquer tipo de mobiliário, seja uma simples mesa de cabeceira ou algo mais especifico, tipo uma penteadeira completa. O lugar se achava vazio.

Ali não havia nem mesmo camas ou colchões, algo que foi bastante estranho a princípio. No entanto, mais tarde, Corina descobriu, em um armário dentro da parede no canto esquerdo, um conjunto de futons e cobertores. E apesar da descoberta ser esclarecedora, ainda assim foi estranho, pois não tinha o hábito de dormir nesse tipo de coisa.

Seja como for, as instruções que receberam foram tão escassas que tanto ela, quanto Shui, acharam melhor não sair do quarto. Elas preferiram permanecer no local até que alguém aparecesse, já que não queriam arranjar problemas. Mas isso foi um tanto constrangedor, levando em consideração que as duas não se falavam.

Devido ao distanciamento entre elas, não foi nenhuma surpresa quando Shui escolheu permanecer perto da porta enquanto esperava e Corina se moveu para o fundo do quarto. Entretanto, o silêncio no recinto não durou muito.

De repente, o barulho de alguém batendo à porta soou, seguido por uma voz desconhecida.

― Estou entrando.

Sem ao menos pedir permissão ou receber algum tipo de autorização, uma mulher de pele acobreada abriu a porta e entrou no recinto. Seu cabelo era preto e liso, mas encaracolado na ponta. Os olhos eram dotados de uma tonalidade castanho-escuro e perspicácia autentica. Contudo, o que mais se destacava em sua aparência, sem dúvida alguma, era uma extravagante peça de roupa que possuía uma combinação forte e viva de cores quentes, como o vermelho e o amarelo. A peça, que não era um Kimono, exibia diversos detalhes e bordados delicados, além de alguns cristais verdes presos no tecido.

E junto a tudo isso, também se destacava um interessante conjunto de joias, como uma tiara de ouro sobre sua cabeça, e que cobria parte de sua testa. Além de um grande par de brincos dourados e uma curiosa corrente cravejada com rubis que se encontrava atada pelo brinco em sua orelha esquerda e outro no nariz.

A estranha, detentora de uma beleza hipnótica, quando entrou no quarto, parou e olhou para as meninas de uma maneira indiscreta, avaliando ambas. E após um segundo de silêncio, voltou a abrir a boca:

― Então vocês são as novas garotas do Xogum? Francamente! Mesmo morrendo, aquele... ― parou de falar de repente. ― Quero dizer... parece que ele ainda tem muita disposição.

Neste momento, Corina franziu a testa e encarou a desconhecida com estranheza. Sua maneira de agir, a forma como entrou sem ao menos ser convidada, foi tudo incomum. Mas suas falas também foram atípicas.

― Nós não somos “garotas do Xogum” ― disse Shui, que achou o comentário bastante inoportuno. ― Somos convidadas.

― Não precisam ficar com vergonhas ― disse a bela cujo cultivo era inexistente. Não existia nenhuma polidez em seu jeito de falar. Mesmo tais palavras simples foram ditas com certa aspereza, indicando uma rudeza em seu linguajar. ― Eu sei bem como é. Mas, olha. As garotas daqui são legais e vão te ajudar se pedir.

― Sinto muito, mas... quem é você? ― perguntou Corina que estava intrigada com a presença da estranha.

Ah! Foi mal. Esqueci de falar, não é? ― exibiu um sorriso pouco sem graça e que demonstrava sua enorme confiança. ― Eu sou Kali. Já estou aqui há algum tempo. Mas devo dizer, vocês chegaram numa hora boa. As coisas por aqui têm andado bem calma ultimamente. Se bem que... Ah, deixa para lá ― soltou um suspiro pesado. ― Escuta. Já que vocês vão ficar aqui por algum tempo, por que não vem conhecer as meninas? Eu posso apresentá-las.

― Como eu disse, nós viemos como convidadas ― Shui voltou a repetir. Ela não era contra conhecer as residentes locais, mas levando em consideração que Kali tinha a ignorado da primeira vez, achou importante reforçar a afirmação anterior.

No entanto, antes que ela tivesse a chance de explicar, a empregada que recebeu o grupo no pátio surgiu na porta que tinha sido deixada aberta.

― O que você está fazendo aqui? ― perguntou Michi, que estranhou a presença da mulher coberta por joias e cuja a estatura se destacava.

― Eu vim dizer “oi” para as novas garotas? ― disse Kali abertamente.

― Elas não estão aqui para isso ― informou Michi, usando um tom um tanto quanto severo. ― Elas são as acompanhantes do médico que veio examinar sua majestade.

― Sério mesmo?! ― disse Kali, que se virou para encarar Shui e Corina com surpresa. ― Ah! Ah! Ah! Foi mal, foi mal ― desculpou-se, exibindo outro de seu sorriso nada constrangido. ― Como eu poderia adivinhar? ― deu de ombros. ― Mesmo assim, se quiserem alguém para conversar, eu sou toda ouvidos.

Percebendo o erro que tinha cometido, a bela de pele acobreada e decorada por joias acenou para as convidadas em forma de despedida e logo tratou de deixar o quarto. Mas não antes de dizer que poderiam encontrá-la por ali a qualquer momento.

― Eu sinto muito por isso ― disse Michi, após Kali sair.

― Está tudo bem ― respondeu Shui. ― Ela parece ser uma boa pessoa.

― Com certeza ― confirmou a mulher usando sandálias de madeira. ― Eu sei que preferem descansar um pouco, mas me pediram para buscar todos os convidados do Comandante Masao. E isso inclui as duas. No entanto, antes de irmos, existem algumas regras que eu preciso dizer.

 


Niveis do Cultivo: Mundano; Despertar; Virtuoso; Espirituoso; Soberano do Despertar; Monarca Místico; Santo Místico; Sábio Místico; Erudito Místico.



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