Um Alquimista Preguiçoso Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


Volume 2

Capítulo 183: Energia opressiva

Quando escutaram que antes de se encontrarem com o líder do Reino da Lua Verde precisariam saber algumas regras, tanto Shui quanto Corina se juntaram em frente a serviçal para prestarem mais atenção.

Nenhuma das duas estranhou o pedido, afinal era natural existir algumas normas a serem seguidas durante uma interação com alguém em posição elevada. Mesmo em suas Famílias, para uma pessoa comum encontrar o Patriarca havia alguns procedimentos que precisavam ser empregados.

Por parte de Michi, ela recebeu a atenção das garotas com aprovação, embora o olhar firme em seu rosto e a expressão rígida não deixasse isso transparecer.

― Em primeiro lugar ― começou a falar ―, mantenham-se sempre dois passos atrás quando for andar próximo aos homens, especialmente se estiver acompanhada por um dos guardas do castelo.

― Desculpa. O que foi que você falou? ― Shui recebeu a primeira informação com choque e estranheza. Que tipo de demanda absurda era essa?

― Eu reparei que quando vocês chegaram, estavam muito próximas do médico e do Ancião. É claro, por serem visitantes, não serão punidas, mas a menos que queiram ter uma reputação infeliz perante aos olhos das pessoas aqui, sugiro seguir essa regra.

― Nós não viemos até aqui para receber instruções de como nos... ― Corina se sentiu tão incomodada pelo que ouviu que se preparou para discutir. Entretanto, antes que pudesse terminar a fala, foi interrompida de forma brusca por Michi.

― Em seguida, é importante lembrar de manter um tom de voz calma e gentil. O Xogum não gosta de mulheres que gritam. Mantenham a cabeça baixa e evitem fazer contato com os olhos dos soldados. Se por um acaso encontrar um dos comandantes, abra caminho para ele passar e então curve-se em demonstração de respeito e lhes apresente uma graciosa reverência. E só volte a andar depois que ele se for ― explicou a serviçal enquanto abaixava a cabeça a fim de exemplificação. ― Apesar de serem de outro reino, eu sei que entendem tudo isso, já que são acompanhantes do médico.

― Não somos “acompanhantes” dele ― retrucou Corina, usando um tom áspero. ― Trabalhamos com ele. Juntos.

― Por fim ― apesar do claro descontentamento das garotas, Michi decidiu ignorar tudo isso ―, é preciso deixar claro que vocês não irão se encontrar com o Xogum. Por enquanto, vocês deverão acompanhar o médico e o Ancião até o Salão Real Menor. Quando chegarem lá, ficarão do lado de fora, aguardando pelo fim da discussão. E mais uma coisa: sei que ambas são cultivadoras, contudo, durante suas estadias no castelo, não pratiquem ou usem de qualquer meio envolvendo Energia Espiritual.

A maneira firme e inflexível empregada para passar algumas regras e informações importantes sobre aquele local, provocou uma reação quase tão grande nas garotas quanto o que foi dito. Shui e Corina receberam as falas de Michi com espanto e uma crescente indignação que elas, em seu papel de convidadas, foram obrigadas a suportar. Mas a vontade de protestar e apresentar queixas quanto ao que escutaram era grande.

Notava-se, pelo semblante de ambas, que não tinham ficado nada satisfeita com o que escutaram. Mas, ainda assim, elas optaram por se calar. Aquele não era o Império Dourado e estavam para se aproximar do líder máximo do regime local, então era natural existir algumas condições incomuns envolvendo o processo.

Dessa forma, apesar de se sentirem um tanto quanto ofendidas pelo que escutaram, as duas preferiram mostrar o descontentamento que sentiam pela expressão feia em seus rostos, algo que foi completamente ignorado.

E então, após passar as informações que considerava básica para as recém-chegadas, Michi decidiu que era o momento certo de levar as garotas até o local em que ocorreria o primeiro encontro entre os visitantes.

As jovens que não se entendiam muito bem, foram guiadas para fora do quarto até a Ala Principal, a maior área do castelo. Era lá que as acomodações mais usadas pelo Xogum ficavam, assim como as divisões responsáveis por servi-lo, tipo a cozinha principal, salão de entretenimento, entre outras.

Shui e Corina foram levadas até o final de um corredor que se encontrava a uma distância considerável do quarto em que estavam hospedadas. O fim da larga passagem era marcado por uma porta de correr composta a partir de uma moldura de parede com papel preenchendo os espaços em forma de quadrados. Do outro lado ficava o salão usado para conduzir reuniões menores, que não envolviam questões urgentes ou de grandes proporções a respeito do reino.

A entrada do recinto estava sendo vigiada por dois praticantes portando as características espadas curvas, que se posicionaram de um lado e do outro.

Quando se aproximaram, tanto Shui, quanto Corina, perceberam que os dois eram combatentes com uma força considerável, que justificava suas posições de guarda. No entanto, a presença daqueles homens era ofuscada por uma Energia Espiritual poderosa e afiada que cortava o castelo e se espalhava pela área ao redor.

A poderosa Energia estava vindo do outro lado da porta e as sensações provocava por ela despertou calafrios em ambas as jovens que de repentes se sentiram pressionadas e foram obrigadas a pararem por um segundo. Embora não existisse hostilidade na força sendo desprendida, quando foram repentinamente confrontadas pela incrível demonstração de dominância que varreu o corredor, quase como uma forma de saudar os estranhos que se aproximavam, elas experimentaram uma sensação pavorosa e sufocante. Apesar de ser difícil de colocar em palavras o que experimentaram, o arrepio que atravessou seus corpos se manifestou na forma de milhares de pequenas lâminas frias e impassíveis que foram pressionadas contra as suas peles, ameaçando dilacerá-las.

Foi uma sensação que não passou disso, de um pressentimento que abalou suas confianças, um fenômeno que trouxe temor aos seus corações. Mas a confrontação foi tão repentina que elas sentiram o corpo estremecer.

Entretanto, quando a primeira impressão pavorosa passou, elas foram confrontadas por outra coisa que as deixou espantadas. Ao serem provocadas pela demonstração de poder, as duas tiveram a estranha ideia de que existia um praticante com um nível de poder jamais testemunhado. Talvez, o responsável por aquilo estivesse até mesmo acima da Grã-chanceler Heloísa. Mas quando elas se acalmaram, perceberam que esse não era bem o caso.

Sem dúvida alguma, a pessoa responsável pela intimidação estava apenas no Reino Espirituoso. Shui ainda não tinha desenvolvido seu Sentido Espiritual o bastante para dizer o nível exato, mas Corina teve certeza de que se tratava de alguém na 5ª Camada. E descobrir isso apenas serviu para deixá-la mais impressionada.

Embora fosse uma região pequena, existiam muitos Espirituosos na Cidade da Fronteira do Caos, incluindo alguns Soberanos do Despertar. Porém, ela jamais vivenciou tal imposição de força. Talvez, o mais próximo que esteve de uma exibição do tipo, que parecia exceder a força verdadeira do praticante, foi quando Xiao Ning assustou Zhan Hao durante sua luta no Festival da Geração do Caos. Mas mesmo naquela ocasião, a demonstração não foi tão impressionante quanto a que acabaram de vivenciar.

Outra coisa que chamou a atenção das garotas foi a maneira que a Energia Espiritual as envolveu. Não parecia ser um tipo de Energia comum. Era afiada, mortal e precisa. Quase uma arma por si só.

Shui e Corina ficaram tão abaladas que andaram pelo resto do corredor de uma forma travada, temendo fazer um movimento brusco e serem confundidas com inimigas. Elas, sem perceber, seguiram as instruções de Michi e pararam a dois passos de distância da porta de entrada para a sala e ficaram de lado, em uma postura comportada, prontas para saudar qualquer um que se aproximassem.

Depois disso, não demorou muito para que Ning e o Ancião Qiao chegassem, guiados por outra pessoa. Eles se aproximaram das garotas e, antes de entrar, o Grã-alquimista parou, olhou para os seus rostos ainda abalados e perguntou:

― O que foi? Vocês parecem um pouco pálidas. ― De fato, ambas apresentavam uma brancura atípica, de modo que até seus lábios haviam perdido a cor.

E embora as duas soubessem muito bem o que tinha as deixado naquele estado, elas preferiram não explicar, com Shui se limitando a dizer:

― Não foi nada. Estamos bem.

A voz de Shui estava mais fraca do que o normal e isso levantou outra dúvida no preguiçoso. Mas já que ela disse estar bem, ele preferiu não insistir no assunto.

Enquanto isso, Michi entreabriu a porta, ajoelhou-se em frente à entrada em uma postura de extrema subserviência, sentada sobre as pernas e com a cabeça colada no chão, e anunciou:

― Os convidados do Comandante Masao estão aqui.

Após o anuncio, houve um segundo de silêncio que foi acompanhado pela ansiedade dos convidados. E então, depois de uma breve espera, a voz familiar de Masao, vinda do interior do recinto, respondeu:

― Diga-os para entrar.

A autorização foi recebida com empolgação por Ning, que se adiantou e avançou em direção a entrada, seguido pelo Ancião. Mas ao perceber que nenhuma das garotas estava o acompanhado, ele parou e olhou para trás.

― Vocês não vão vir? ― perguntou.

― Na verdade, foi dito para a gente... ― Corina começou a explicar o motivo pelo qual elas não podiam entrar. Mas antes que terminasse, Shui a interrompeu de maneira brusca e assumiu a fala.

― A gente prefere esperar aqui ― disse a jovem de cabelo azul. Ela forçou um sorriso no rosto e acrescentou em um tom dócil, como se estivesse tentando convencer a outra parte, sem que essa fizesse muitas perguntas: ― Nós não queremos correr o risco de fazer alguma coisa errada e acabar causando problemas. E você também, tente se comportar, está bem?!=

Corina foi pega de surpresa pela interrupção abrupta, mas não precisou se esforçar para perceber que a outra estava tentando esconder o motivo real de não poderem acompanhar Ning e o Ancião. E apesar de não entender o motivo para isso, ela logo tratou de se corrigir:

― É isso mesmo. A gente prefere esperar aqui.

O preguiçoso de alma velha e cabelo da altura do ombro, de novo, achou a atitude das duas um tanto quanto estranha. Mas preferiu não questionar. Dessa forma, ele se virou e avançou em direção a entrada do salão, deixando-as para trás.

Quando Ning e Qiao foram guiados para dentro da câmara destinada a pequenas reuniões, eles foram anunciados por um homem desconhecido que fez a recepção e falou seus nomes e funções em alto e bom tom, cumprindo uma cerimônia já determinada.

― Diante do grandíssimo Xogum se apresentam Xiao Ning, Grã-alquimista reconhecido pela Seita Ebúrnea e médico conhecedor das mazelas humanas, membro da Família Xiao. E o acompanhando está Xiao Qiao, praticante da 2ª Camada do Reino Espirituoso e Ancião de assuntos externos, também membro da Família Xiao.

Seguindo a deixa, os dois avançaram pelo salão lado a lado. E logo na entrada, o membro mais aguardado pelas autoridades locais, reparou na solenidade que marcava o local.

Para recebê-los, havia um sujeito prostrado que fez uma nova reverência ao vê-lo se aproximar. Mais à frente, na extremidade à direita do salão, encontrava-se um grupo chamativo de homens que cercava um trono localizado sobre um altar, em posição de destaque.

O grupo era composto pelo Comandante da Ordem Pública, Masao, que se achava à esquerda do assento real. Ele estava parado na parte de baixo do altar, em uma postura firme e resoluta, com a cabeça erguida e o olhar centrado. Do outro lado estava um sujeito que, embora fosse desconhecido para os recém-chegados, logo chamou a atenção pela incrível força que emanava de seu corpo.

O poderoso praticante possuía um cultivo Espirituoso de 5ª Camada, mas não era o seu nível que mais se destacava. E sim a peculiar e opressiva Energia Espiritual que emanava de seu corpo. Tratava-se de uma Energia afiada e massiva que o fazia parecer estar muito além do Reino Espirituoso. De fato, foi isso que Xiao Ning pensou a princípio ao ser sondado por aquela força, antes de perceber estar enganado.

Diferente de Masao, o sujeito cuja força se fazia excepcionalmente maior, não carregava apenas uma daquelas espadas curvas que, a cada instante, se provava ser a arma oficial do Reino. Ele portava duas delas presas na cintura, que além de serem maiores que a do Comandante da Ordem Pública, também possuía uma curvatura mais acentuada.

Seu rosto, marcado por sobrancelhas finas e um nariz pontudo, mas pequeno, exibia uma inexpressividade notável, que vinha acompanhada por traços severos. Com quase 1,90 metro, sua altura era enganosa e seu corpo esguio, sem nenhuma marca evidente de músculos excessivamente desenvolvidos. Porém, nem por isso era magro. Seu cabelo era curto e suas roupas simples. Vestia um Kimono branco decorado por linhas azuis e nos pés se encontrava um par peculiar de sandálias, feitas de madeira, que contava com uma plataforma na parte de baixo para deixar o usuário mais alto.

E para completar, fazendo companhia ao Xogum, ao lado do trono, encontrava-se um homem cuja expressão branda e um tanto gentil se destacava dos demais já citados. Ele também era alto e possuía uma clara preocupação com a aparência, algo evidenciado pelo cabelo bem cuidado, penteado em forma de coque, e as roupas chamativas, feitas de um tecido leve.

Eram todas figuras que em sua singela aparição impunham respeito pela força emanando de seus corpos. No entanto, nenhum desses se destacava tanto quanto o homem sentado no trono.

Apesar de estar usando roupas folgadas, tratava-se de um sujeito dotado de ossos largos e de uma fisicalidade opressora. Seu cabelo comprido e volumoso caia em cascata atrás de suas costas, aumentando ainda mais sua dimensão. Seus membros eram compridos de uma forma anormal e em seu antebraço esquerdo e parte da mão havia uma enorme cicatriz de queimado.

Sentado no trono, ele buscava expandir sua presença com o peito aberto e uma postura confiante, tornando-se, assim, a figura de maior destaque presente. Entretanto, o que de fato o evidenciava era o seu estado debilitante, denunciado pelo semblante exausto e o rosto pálido, além de uma magreza preocupante.

― Aproximem-se! ― disse o Xogum Taishi aos convidados com sua voz roca e grave, mas extremamente cansada e arrastada.

E Xiao Ning e Qiao obedeceram, avançando pelo salão enquanto mantinham a solenidade do local. Os dois deslocaram-se até ficar a poucos metros do trono e, em uma atitude respeitosa, curvaram-se, prostrando diante do líder máximo do Reino da Lua Verde.

― É um imenso prazer estar na presença do grande Xogum Taishi ― disse Ning, usando de um atípico tom solene.

― Acho que quem deveria estar lisonjeado sou eu ― contrapôs o Xogum, cuja voz era arrastada, expondo uma dificuldade excessiva para falar. Ele estava tentando se manter digno, mas era incapaz de preservar a postura superior. Tanto que, mesmo sentado, não conseguia evitar de o corpo se curvar diante de uma fadiga crescente. ― Neste mundo... existiram poucos Grã-alquimistas e em minha frente dizem estar um deles, que além de dominar as Chamas da Essência.... também é um talentoso médico. Responda-me: suas habilidades são... uma ilusão ou você pode mesmo me curar?

― Bem, eu estou aqui para descobrir isso ― respondeu Ning, confiante.

 


Nota do Autor

Gente, eu gostaria de avisar que irei cancelar o apioa-se, catarse e padrin. Sinceramente não estou conseguindo cumprir as propostas que fiz já faz um tempo. Pensei que conseguiria reverter isso quando as coisas ficassem mais calmas, porém percebi que isso não acontecerá tão cedo.



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